quinta-feira, 12 de julho de 2007

A necessidade do lado mau

Um dos meus hobbies é reparar como as pessoas que dizem que algo não é alguma coisa se contradizem dando características dessa coisa a esse algo. Por exemplo, há pessoas que adoram falar que "esse mundo aqui não é conto de fadas, não! A maldade está solta por aí!"

Gostaria que me mostrassem um único conto de fadas sem maldade solta por aí. A diferença que vejo entre o nosso mundo e o dos contos de fadas é que aqui, na Terra, a maldade é inocente. Ela não sabe que é má, tem boas intenções. Enquanto nas historinhas a bruxa tem gargalhadas cruéis e afirma o tempo todo que é má e invejosa, o vilão do mundo real acredita que, na verdade, o mocinho é o grande vilão. Na Terra todos querem ser heróis.

Por isso os debates políticos são tão inócuos, tão improfícuos: o liberal diz que o estatista é cínico e mau e feio, e que por isso está errado. O estatista faz o caminho inverso: "você é egoísta, cínico, não tem coração!" e o debate fica eternamente em decidir primeiro quem está certo, para depois de convencer que o outro é mau dizer os motivos de suas idéias serem más. Acontece que ninguém vai se convencer de sua maldade, porque, se o outro é mau, ele só pode estar usando de ardis maquiavélicos para te carregar para o lado da maldade (e eu não direi o lado negro..., não gosto de Star Wars).

Na verdade vejo isso como uma necessidade que o homem tem de aproximar a vida real do mundo dos contos de fadas, de ter um inimigo bem definido, com todas as características da maldade que se pode ter - incluindo, talvez, a verruga no nariz e as unhas longas e sujas. Mas não há muita perfeição na Terra, e as pessoas costumam sempre - displante! - acertar em algum aspecto.

A esquerda costuma estar certa em suas idéias sobre costumes e cultura, a direita tem mania de acertar no que diz respeito à economia e à política, mas ambas rejeitam a parte certa do adversário, porque dão maior valor àquilo em que estão certos (e talvez estejam certos justamente porque, por dar mais valor a esses aspectos da vida humana, é a eles que se dedicam com mais afinco).

Mas o ponto principal deste texto é outro, e eu estava só enrolando até achar uma boa forma de dizer isso: Alguém acha que os ditadores do Brasil acreditavam que eram maus? Alguém acha que eles se diziam maus? Hitler já foi pego gargalhando cinistramente enquanto planejava a morte de milhares de mocinhos judeus? Hitler era padrasto de alguém? Toda a maldade que existe - e ela existe, está por toda a parte, em pequenas doses ou em doses maiores - deve ser combatida não apenas com espadas, dizendo "você é mau! Você é mau!", porque não adianta. As pessoas chamam Hugo Chávez de mau, mas, pelos céus que ele não se acha má pessoa. Talvez nem seja má pessoa, mas está tomado de más idéias, coitado, que ele acha que são boas.

Ninguém assume que é mau. Pelo menos não se estiver são. É preciso convencer as pessoas de sua maldade por partes, debatendo não a pessoa inteira, mas os pedaços pequenos que ela tem - "concordo disso, discordo daquilo, tenho dúvidas (é bom ter dúvidas) naquilo outro" e é assim que a maldade se dissipa, se dilui na humanidade, ficando cada vez menor, cada vez menor, para que no fim a vida seja como o fim de um conto de fadas.

(Sim, eu sei. Final piegas, mas eu gosto de ter essa esperança de que as coisas vão melhorar, melhorar, melhorar até não poder mais. Afinal - mais uma pieguice (e quem disse que sou contra pieguice?) - de que valeria viver sem acreditar que você pode contribuir para algo no mundo.