sábado, 30 de junho de 2007

Saki dá uma boa sugestão

Em The Toys of Peace, após receber brinquedos que não remetessem à guerra, Eric pergunta:
“Are we to play with these civilian figures?” asked Eric.

“Of course,” said Harvey, “these are toys; they are meant to be played with.”

“But how?”

It was rather a poser. “You might make two of them contest a seat in Parliament,” said Harvey, “an have an election—”

“With rotten eggs, and free fights, and ever so many broken heads!” exclaimed Eric.

“And noses all bleeding and everybody drunk as can be,” echoed Bertie, who had carefully studied one of Hogarth’s pictures.
Políticos de narizes quebrados? Sweet.

Por que eu não sou e nunca fui um hayekiano, e por que Hayek não teve qualquer influência sobre mim

Hayek temia que quaisquer tentativas de estabelecer uma ética racionalista (o que ele chamava de "racionalismo construtivista") levassem a delírios totalitários. A saída que ele encontrou foi uma aposta na ignorância humana: só podemos proteger a liberdade individual se abandonarmos quaisquer projetos de estabelecer uma ética objetiva e que nos confortemos com a "ordem espontânea". Mas a ordem espontânea é contraditória nesses termos. Porque a ordem que surge depende dos valores que os indivíduos carregam consigo; sem valores culturais que prezem pela união da sociedade, ela se dissolve. Uma ordem "espontânea" que abdique da busca de quaisquer valores sociais ou éticos é apenas um apego à tradição. Esse conceito de espontaneidade livre de quaisquer valores éticos de Hayek também não o permite dizer que nada é ou não é espontâneo. Ele pode dizer que certas ações do governo foram apenas emergências espontâneas de um determinado contexto social. Até mesmo as políticas econômicas que Hayek defendia perdem quase todo o peso frente ao conceito de espontaneidade que ele próprio defendia. Por que opor-se a medidas inflacionistas se é o governo que as está tomando? E o governo pode ser considerado apenas uma instituição social espontânea, criada pelos próprios indivíduos para satisfazer às próprias necessidades, ou não? E, admitindo-se que a inflação traga resultados ruins, por que deveríamos nos opor a ela de qualquer forma? Seria porque ela traz pobreza social? Mas por que deveríamos querer a riqueza? Não seria esse padrão ético uma espécie de racionalismo construtivista, uma tentativa de moldar à sociedade de acordo com os próprios caprichos que pode desembocar em algum tipo de dirigismo totalitário?

Sherlock Holmes, detetives em geral e eu

Mal posso acreditar quanto tempo - 19 anos, cada um deles com um peso moral quase insuportável - passei sem saber quais prazeres que Sherlock Holmes era capaz de proporcionar. Sempre tive a idéia de que detetives da literatura eram frios demais, inumanos demais. Era somente um preconceito, mal conheço a literatura em geral, muito menos o gênero específico dos detetives. Talvez essa preferência por personagens mais humanos seja vulgar, mas era algo que realmente me incomodava: a tendência de atribuir todas as qualidades aos heróis. Sherlock Holmes, no entanto, é impaciente, fica com raiva, não calcula tudo o que vai acontecer. Me sinto meio banal por requerer algo tão comum dos personagens, mas eu tinha que sentir que eles tinham um coração batendo no peito. Sherlock Holmes, embora possua um poder de abstração fora do comum, e informações absurdas, me parece vivo e conseguiu quebrar, ao menos um pouco, o preconceito que eu tinha. Depois de ler o livro ao lado, A Ciclista Solitária e outras histórias, da maravilhosa L&PM Pocket (215 pgs.), posso partir para detetives mais hardcore (mas ainda rezo para que eles sejam seres vivos, não apenas incríveis máquinas de investigação e resolução de casos).

sábado, 23 de junho de 2007

The unquestionable truth


Liberty, vol. 1, no. 1, 6 de agosto de 1881.

Nós não somos nem precisamos ser iguais

A inteligência convencional aconselha uma união entre liberais e conservadores para "enfrentar o pensamento esquerdista dominante no país". Enquanto isso, podemos ignorar ou subestimar a importância da divergência entre as duas correntes, porque é estúpido perder tempo com esse tipo de discussão quando há um inimigo maior para combater, a saber, a "esquerda". O que falta é união, coisa que sobra nos esquerdistas - mestres em organização e propaganda.

Esse é o raciocínio estratégico padrão da "direita" brasileira. O único problema é que esqueceram de avisar aos esquerdistas que eles eram unidos.

A esquerda, ao contrário do que diz a sabedoria convencional, não é nem nunca foi unida. Na verdade, esquerdistas são altamente sectários, e eu diria até que esse é um dos motivos do crescimento intelectual esmagador dos "socialistas" (sei que esse é um rótulo vago, mas não tenho outro aplicável aqui) no fim do século XIX e durante o século XX. Foi com discussões internas, sobre teoria e estratégia, que eles refinaram as próprias idéias e cresceram. Eles não pensaram em subestimar as diferenças entre as correntes para combater o inimigo maior, o status quo. Combateram ambos, criaram inimizades com velhos aliados e criaram novas correntes, alianças e tendências, e assim cresceram.

Na esquerda, ou ao menos no que é chamado normalmente de esquerda, podemos identificar vários partidos políticos brasileiros: PT, PDT, PCdoB, PSTU, P-SOL, PCO. Eles são todos iguais? Todas as variantes do comunismo, a social-democracia, o ambientalismo, o comunitarismo, o sindicalismo, a maioria das variantes do anarquismo, o progressismo e o socialismo cristão são todos iguais? Todas essas correntes, subcorrentes e tendências da esquerda são bastante conhecidas, mas quando criticar é necessário, a esquerda se torna um bloco uno que só pode ser derrotado com uma grande coligação "de direita".

Não posso responder definitivamente por que existe essa impressão de que a esquerda é unida ou unitária, mas eu atribuo isso ao fato de que o discurso mainstream é vagamente de "esquerda", o que passa a sensação de que vivemos rodeados de esquerdistas uniformes. Só que nada é mais falso e os liberais (e também os conservadores, por que não?) vão perder muito se continuarem a fingir que são aliados naturais. Uma diferenciação radical entre os liberais e os conservadores seria melhor para ambos. Somente com esse tipo de definição intelectual um movimento ideológico pode ganhar força. Se os liberais e conservadores continuarem achando que são apenas subcorrentes de um movimento maior chamado "direita", vão permanecer com o pensamento obnubilado. O reconhecimento das diferenças da mais força aos argumentos.