sábado, 20 de setembro de 2008

Por que algumas pessoas acham que mudanças sociais, políticas e culturais justificam ações do governo?

No post anterior, Gustavo tentou - de forma um tanto desconexa às vezes, é verdade - rebater alguns dos argumentos que são usados normalmente em favor da obrigatoriedade do diploma de jornalismo para exercer a profissão. No curso de jornalismo (ao menos no da UFPE) os estudantes são bombardeados com essas razões pelos professores a todo momento. No entanto, não estou interesssado em analisá-las agora. Eu pretendo falar do argumento das "mudanças nas condições sociais e culturais".

Você provavelmente já se deparou com ele. Toda vez que que alguém vai defender alguma medida do governo ele é invocado. Basta que um interlocutor rebata a necessidade dessa nova medida governamental com o fato de que no passado essa medida não foi necessária ou que em outros países ela não é adotada sem maiores problemas.

No caso do diploma de jornalismo, a discussão se desdobra mais ou menos da seguinte forma:

- O diploma é necessário para assegurar a qualidade do jornalismo praticado.
- Mas no passado o diploma não era obrigatório e não consta que isso tenha gerado maiores problemas/Em países desenvolvidos o diploma não é obrigatório.
- Mas as condições sociais, políticas e culturais eram/são diferentes.

O mais interessante é que essas condições sociais, políticas e culturais que se modificaram nunca são especificadas. O fato de que elas são diferentes em relação ao passado ou a outros países é suficiente para justificar a necessidade de novas medidas por parte do governo. Como as condições sociais, políticas e culturais estão sempre mudando, você pode apelar para esse argumento a qualquer momento. Mas se perguntar quais foram essas mudanças tão importantes que justificam a adoção de novas medidas, você não vai ter resposta.

O que me interessa no momento, porém, não é o fato de que o argumento é empregado, mas por que ele é empregado.

Se formos observar os temas dos livros mais importantes de acadêmicos esquerdistas brasileiros mais destacados, nós podemos notar uma fixação constante com o "Brasil". Assim, você vai ver Celso Furtado falando da história econômica do Brasil, Caio Prado Júnior discorrendo sobre a evolução política do Brasil, Marilena Chauí dissertando sobre o autoritarismo cultural da sociedade brasileira. Pode ser que minha amostragem seja um pouco enviesada, mas mesmo que se discorde que esses autores (e outros da mesma linha) foquem principalmente no Brasil em seus trabalhos, me parece difícil negar que eles se interessam muito mais em retratar o Brasil do que em desenvolver teorias gerais mais abstratas.

A história, para esses autores, é a disciplina de maior importância. O que eles praticam é uma espécie de historicismo: eles estudam os fatos históricos e tentam extrair deles o melhor curso de ação.

Os liberais, por outro lado, freqüentemente são generalistas; isto é, eles tentam enfatizar teorias gerais aplicáveis a todos os casos. Eles focam em teoria econômica, que é invariável. A teoria econômica pode ser usada para interpretar os fatos históricos. Isto é, somente com uma teoria que explique a causalidade ou as correlações entre os eventos é possível estudar a história apropriadamente - caso contrário, o estudo não passaria de uma coletânea de eventos sem relação direta uns com os outros e nenhum evento histórico teria qualquer fato causador.

Daí é possível ver que as atitudes dos dois tipos ideais de acadêmico (de esquerda e liberal) se opõem frontalmente: um estuda a história em busca de singularidades, o outro estuda a história buscando aplicar generalidades.

Daí se explica também o efeito psicológico que o argumento das "mudanças sociais, políticas e culturais" causa. A história é necessariamente diferente de país para país. Você nunca vai encontrar histórias iguais de dois países - aliás, nem mesmo dentro dos países as histórias de estados ou cidades são iguais. Por outro lado, uma teoria econômica necessariamente deve ser capaz de interpretar todos os casos possíveis. Assim, o fato de que a história do país é única é suficiente para justificar também a adoção de uma medida única por parte do governo aos olhos dos professores de jornalismo. Não interessa quais são os pontos de singularidade num país que são relevantes para a discussão, porque esses professores (o "tipo ideal" de esquerdista de que eu estou tratando neste texto) já foram condicionados pela própria formação intelectual a ver a história como uma sucessão de eventos sem qualquer correspondência com outros países ou outras épocas.

Os liberais (ou melhor, os "generalistas"), por outro lado, tendem a considerar que as semelhanças - não as diferenças - com outros países justificam a adoção de certas medidas. Portanto, se, digamos, outros países alcançaram objetivos desejados pelos proponentes da obrigatoriedade do diploma (a melhor qualidade do jornalismo, etc.) sem a regulamentação, então isso é evidência de que a regulamentação não é necessária. Assim, para eles é suficiente você apontar outras épocas ou países em que a regulamentação não foi necessária para rebater o argumento - porque não é possível afirmar que seja uma teoria geral a de que o diploma de jornalismo obrigatório seja absolutamente necessário para alcançar os resultados pretendidos por seus defensores.

Em suma, psicologicamente os argumentos agem de forma diferente nos dois tipos de pessoa: o argumento da singularidade não é suficiente para convencer o "liberal generalista" de que, por exemplo, uma ação governamental é necessária - é preciso apresentar uma razão por que essa resposta seria válida em todos os casos; inversamente, o "esquerdista singularista" não considera suficiente que se aponte o fato de que, por exemplo, em outros países regulamentações não são necessárias - é preciso verificar se não há circunstâncias especiais em operação que não tornam a medida aconselhável.

Por isso que em debates sobre "políticas públicas" normalmente pouco se avança: porque os argumentos dos dois lados agem de forma psicologicamente invertida. Assim, os debatedores sempre pensam que o outro lado da discussão não compreendeu seus argumentos ou que está respondendo a argumentos já refutados.

Não é meu objetivo aqui criticar de forma mais aprofundada a epistemologia da pesquisa acadêmica dos singularistas ou dos generalistas, mas me parece óbvio que a metodologia dos "esquerdistas-singularistas" é totalmente incorreta: ao estudar os fatos únicos da história de um país, eles inevitavelmente lançam mão de teorias pré-concebidas, porque sem elas eles só poderiam publicar montes de dados ininteligíveis em seus livros. Seus argumentos, então, na maior parte das vezes são inválidos, porque as teorias em que se baseiam não estão explicitadas e, assim, não são bem desenvolvidas.

Enquanto esses fatos não forem reconhecidos, vai ser impossível uma discussão profícua. É preciso que os dois lados de um debate falem a mesma língua antes de começar a discutir.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Na faculdade somos obrigados a ler algumas coisas que são mais idiotas do que nosso cérebro consegue agüentar quieto, e nos força a escrever sobre elas. É o caso desse meu texto - enorme - que você vai ler, porque, bem, você está aqui por algum motivo, né?


Mais que sete erros: as falácias de quem vê erro onde não tem

Em artigo intitulado “Jogo dos sete erros: desmascarando algumas falácias sobre a regulamentação profissional dos jornalistas”, Fred Ghedini, Presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, acredita ter rebatido sete falácias contra a regulamentação profissional do jornalismo. Suas réplicas aos argumentos anti-regulamentação, entretanto, valem menos que uma fatia de bolo de rolo – não que isso seja tão ruim, sendo goiabada meu doce favorito, dou muito valor ao bolo de rolo. Tanto que substituo “uma fatia de bolo de rolo” por “uma faixa de Mastruz com Leite”, pra dar ar incontestável de baixa qualidade aos argumentos do Ghedini, ou ao que ele supõe sejam argumentos.

O primeiro argumento que ele diz ser falacioso – e ele começa no seu auge, acertando – é o de que “A legislação que regulamenta a profissão é ilegítima porque foi feita na época do regime militar”. De fato, eis uma proposição estúpida.

A legislação não é ilegítima porque foi feita durante o regime militar. Ela é ilegítima simplesmente porque sim. Porque qualquer tentativa de criar reservas de mercado é ilegítima. Ignore-se o fato de que foi criada por militares ou por Dom Pedro, ou mesmo por Karl Marx ou Adam Smith. Ela é ilegítima independentemente da ideologia que a criou. Não há mais que discutir sobre a falácia número um. De fato ela é falaciosa.

O que se deve discutir, sim, é a razão torta que Ghedini encontra pra caracterizar a falácia. Ele diz que a legislação é legítima apesar do regime militar. Porque ela atendeu aos anseios dos jornalistas, que sonhavam com essa regulamentação desde 1918. É como se uma medida, de repente, se legitimasse porque a camada beneficiada por ela se satisfez com sua implantação. É como afirmar que são legítimos os inúmeros aumentos de salários que os deputados se dão, porque, observem, eles próprios sempre ansiaram por um salário maior – e que ânsia.

O argumento de Ghedini não serve para justificar apenas a regulamentação jornalística, mas qualquer outra lei. Os censores anseiam pela censura, os torturadores pela tortura, e os cozinheiros pela obesidade. As restrições são sempre justificadas pelos olhos de quem as impõe, e por isso o argumento de Ghedini, unilateral, cai por água abaixo, afundando como uma bigorna jogada de um globocop em alto mar.

O segundo argumento que Ghedini julga ser falacioso é “a exigência do diploma de jornalismo para o exercício da profissão se choca com a liberdade de expressão”. Dessa vez Ghedini já erra pelo julgamento. Não há nada de falacioso na sentença.

O fato é que Ghedini tenta aplicar um reductio ad absurdum inválido, dizendo que “se assim fosse, a única forma de garantir a liberdade de expressão para a sociedade seria que” – e você já deve ter deduzido – “todos os cidadãos praticassem o jornalismo”. Não só essa interpretação está errada, como ela quer inverter conceitos. Alguém pode ser mais ou menos cerceado, embora, para ser livre, não possa sofrer restrição alguma. Para ferir a liberdade de expressão, basta que alguém me impeça de falar no jornal. Isso não significa que eu seja obrigado a isso.

A possibilidade legal de me expressar jornalisticamente é apenas uma das formas de não ferir a liberdade de expressão, não a garantia dela. É impossível garantir a utilização de todos os direitos, mas é possível garantir que esses direitos não sejam feridos, ao menos pelas ferramentas que têm a obrigação de garanti-los – lembro aos leitores, claro, que não são “os donos de empresas jornalísticas” o padrão da liberdade civil. São os limites impostos pelo Estado. Quanto mais regras cria o governo, mais cerceada está a liberdade. A regulamentação profissional é apenas mais uma regra.

Ghedini também se contradiz quando afirma que seria “saudável, observados os parâmetros deontológicos da profissão” que todo mundo se expressasse jornalisticamente, mas que é “francamente impossível”. A contradição não está em afirmar a impossibilidade de que todos se expressem jornalisticamente. Está em assumir que, se fosse possível que todos se expressassem, não haveria mal algum, mas, diante dessa impossibilidade, o melhor é limitar o máximo possível essa expressão.

Recomendo a Ghedini um artigo de Frédéric Bastiat, “Petição dos fabricantes de velas”, que explica, em exemplo similar, e muito melhor do que eu poderia fazer, a falta de lógica de ser contra algo em parte, mas a favor no total. O protecionismo ao profissional do jornalismo não é justificado porque é impossível que todos se expressem. Se a expressão geral é interessante, mas impossível, nada mais interessante que tentarmos nos aproximar o máximo que conseguirmos dessa possibilidade geral de expressão.

Espero que a essa altura todos estejam convencidos do óbvio: eu estou certo, Ghedini está errado, e ninguém gozando de saúde mental realmente gosta de sapoti. Eu continuo, entretanto, porque meu dedo coça para refutar as asneiras de que Ghedini é capaz para defender sua classe – qual a próxima, Ghedini? “É justo porque o beneficiado sou eu”?

A terceira bobagem que Ghedini fala é que o argumento de que “a exigência do diploma é elitista” é inválido. Depois, pra argumentar, ele põe a culpa no governo – não é culpa dos jornalistas, afinal, que o governo seja incompetente para dar faculdade de jornalismo para todo mundo que queira. Depois ele diz que a barreira é a mesma para qualquer outro curso que exija diploma.

Esses argumentos do Ghedini só se sustentam, entretanto, quando se assume que todo o resto do mundo está bem e que a única questão em disputa é a regulamentação do jornalismo – não sei quanto a ele, mas eu não sou uma máquina dedicada à defesa ou ao massacre do jornalismo. Tenho idéias que vão além do meu campo de atuação. Desde o começo tenho dito que não é a regulamentação do jornalismo que é ilegítima. É a regulamentação em si. Isso quer dizer que não tenho nada contra alguém que queira trabalhar como advogado, dentista ou cirurgião cardíaco sem diploma. A única exigência que faço é que não haja fraude (se um cirurgião não é formado, que não diga que é), e quem quiser arriscar a própria vida que arrisque na sala de cirurgia do autodidata.

Não há piada nisso, e realmente acredito que ninguém é obrigado a ir para um médico não formado, nem a contratar um jornalista analfabeto. Acredito que há formas diversas de se adquirir um conhecimento, e que restringir a atuação profissional ao que é estudado na academia é, além de elitismo financeiro, pedantismo acadêmico – que gerou a demora de décadas na implantação da medicina oriental no Brasil, como a acupuntura, que hoje é aplicada da mesma forma, mas com milênios de atraso, por médicos formados.

Limitar a atuação profissional em qualquer área é limitar não somente o numero de profissionais que atua nela – e já seria desastroso o bastante limitar esse número –, mas também limitar sua evolução e continuidade. Não à toa a publicidade brasileira é muito mais respeitada – e bem paga – e criativa – e interessante – que o jornalismo.

A quarta falácia que Ghedini identifica é similar à quinta, e serão, ambas as refutações de Ghedini, refutadas ao mesmo tempo. “Jornalismo é uma questão de talento”, diz a falácia número 4, e “a profissão de jornalista não exige qualificações profissionais específicas” diz a quinta. De certa forma elas se complementam, e de forma alguma estão erradas.

Para refutar a falácia número 4 ele diz que, apesar de antigamente a profissão ter sido exercida por “boêmios”, talentosos ou nem tanto, hoje em dia ela tem um ritmo muito acelerado e exige que o trabalho seja feito sem titubear. Ghedini não diz qual foi a mudança estrutural no jornalismo que levou a isso – mas é pedir demais a alguém que sequer sabe argumentar que faça um traçado da evolução histórica do jornalismo. Mais fácil pedir que um aluno do ensino médio escreva um romance filosófico melhor que os da Clarice Lispector (mas, de novo, me precipito. Qualquer um escreve romances melhores que os da Clarice Lispector. Proust eu quis dizer. Proust. Com que idade Proust escreveu seu primeiro livro?).

Esse argumento do ritmo frenético não significa absolutamente nada. Não exclui a possibilidade do talento, apesar de reforçar a necessidade da prática. Nada impede, também, que alguém não estudado (formalmente) passe, “sem titubear, desde os primeiros momentos na profissão”.

Outro argumento dele é que pessoas de talento podem, se quiserem, passar quatro anos se martirizando na faculdade para aprender a fórmula atual do jornalismo, desgastando assim o talento que tinham para revolucionar a profissão, com a infecção da formalidade acadêmica –graças a Deus eu nunca tive talento que pudesse ser destruído pela academia, e Deus salve os talentosos!

À quinta falácia ele opõe a necessidade do jornalista de conhecer amplamente “cultura e legislação”, além dos “valores éticos que fundamentam a vida em sociedade e que consolidam as conquistas da civilização”, e mais as regrinhas básicas, como ouvir todas as partes.

Não sei por onde começar a refutar esse homem. Ele propõe que o jornalismo atual é dotado de grande conhecimento de cultura legislação ou que deve passar a ser quando o governo investir 80% do PIB nas faculdades de jornalismo? Porque, francamente, todas as pessoas com maior conhecimento de cultura e legislação que conheço são de áreas bastante distintas do jornalismo. E, se a proposta é conhecer cultura e legislação, porque um advogado não poderia exercer a profissão? Ou um professor de história? Ou mesmo qualquer estudioso autônomo de ambas as áreas?

Os “valores éticos que fundamentam a vida em sociedade” não podem ser aprendidos a partir, de repente, da vida em sociedade? E que dizer do esforço para ouvir todas as partes? Ele é seguido pelos jornalistas formados atualmente? São necessários quatro anos de estudo para descobrir essa necessidade? Acaso todas as pessoas, por menor que seja seu senso crítico, já não percebem naturalmente quando está faltando algo?

No mais, a parte técnica do jornalismo pode, sim, ser aprendida com poucas semanas de prática – um fast-learner não levaria mais que dois dias. Para “olhar criticamente os processos sociais” é de fato necessário cursar jornalismo? Um curso de sociologia não basta? Não basta que leia um único livro de sociologia?

Acredito – e só digo acredito para não usar o pedante verbo saber – que todas essas perguntas fazem, sim, sentido, e que, embora não constituam argumento em si, podem funcionar como a maiêutica e levar o leitor de boa fé a concluir que sim, estou certo (embora o de má fé se mantenha ali, irredutível, “eu quero minha cota, eu quero minha cota”). Vamos ao sexto, no parágrafo que vem.

“O Brasil é o único país do mundo em que existe a exigência do diploma de jornalismo”. Essa afirmação, em si, não é argumento. É apelo à autoridade, falácia das mais conhecidas, como o ad hominem que usarei contra Ghedini em três dois um careca, embora eu não saiba se ele é. Por outro lado, as implicações dessa frase ali em cima são evidências fortes de que algo está errado no Brasil, quando se observa que o jornalismo praticado nos países desregulamentados é muito mais interessante – e muito mais acompanhado – e mais variado – e mais etc. – que o praticado no Brasil.

Ghedini não chega ao ponto de propor que os outros países regulamentem seus jornalista, not of his businnes, mas diz que a realidade brasileira exige essa regulamentação por causa da relação incestuosa entre o parlamento e as empresas de comunicação (desde quando o parlamento é irmão das empresas de comunicação, e quando começaram a fazer sexo é algo que desconheço, e que Ghedini guarda pra sua própria masturbação, revelando os fatos sem por os vídeos no redtube), e que, portanto, deve-se dar ao apaixonado parlamento o poder de cassar a liberdade da comunicação.

Mas peraí! Além de ser um caso para a delegacia da mulher, acho que Ghedini se contradiz quando fala que, por haver uma relação íntima entre o parlamento e os proprietários, o parlamento deve regular esses mesmos proprietários. Non sequitur – e esgotam-se meus estoques de expressões latinas L. Se o problema está no relacionamento dos donos de empresas de comunicação com os parlamentares, os donos de empresas só têm a se beneficiar com a regulamentação.

Ghedini diz que não, que pelo contrário, que os parlamentares são maus maridos, e que os donos de empresas de comunicação querem o divórcio – no que mente sem vergonha na cara. A regulamentação do jornalismo não apenas beneficia os profissionais formados de forma criminosa. Também impede a criação de empresas de jornalismo de pequeno porte (o custo de um jornalista formado é muito alto para que uma pequena empresa surja com visão oposta à do jornalismo atual, e isso mantém o oligopólio das grandes corporações). Ta-dã! Revelado o defeito da regulamentação com que, creio, todos os comunicadores que desejam honestamente o acesso a informações de qualidade deveriam concordar.

Até agora, quando nos aproximamos do final, vejamos as conclusões que podemos tomar: Ghedini está errado, eu estou certo e, muito importante, não se come sapoti. Ao sétimo e último argumento, que Ghedini não entendeu, coitado.

O argumento diz que os cursos são ruins, e que exigir diploma é criar reserva para esses cursos. Ghedini começa dizendo que os cursos não são ruins, mas isso não importa. Importa que, se houvesse concorrência a eles, certamente seriam melhores. Por exemplo, cito um mercado bastante desregulamentado... er... tá, não dá pra citar um exemplo disso aqui no Brasil, mas conto com a sua capacidade de abstração pra imaginar que existe um desses, e que se chama “jornalysmo”. Bem, suponha agora que, como esse ambiente é desregulamentado, existam dezenas de empresas jornalísticas na cidade que usaremos como exemplo, Gustavolândia, para satisfazer minha vaidade. Em Gustavolândia existe uma faculdade de jornalysmo, e ela era razoável antigamente, quando a cidade se chamava Ghedinilândia e era toda regulamentada, como se espera de uma cidade com esse nome.

Quando o rei Gustavo assumiu, ele desregulamentou, contra protestos dos jornalystas, o trabalho nessa profissão – em todas as outras também, mas não vou perder meu tempo narrando pra vocês a superioridade de Gustavolândia sobre todas as outras cidades do mundo, e de como brotavam pastéis de nata em todos os jardins. No início, muitos jornalystas perderam o emprego, mas foram logo absorvidos pelo mercado da produção de almofadas, onde descobriram seus verdadeiros talentos.

As empresas jornalýsticas contrataram pessoas sem formação, e mantiveram apenas os jornalystas mais capazes. Com o tempo, essas empresas cresceram e se multiplicaram, como manda a lei divina, mas sem incesto, como acontecia antigamente, porque uma empresa vigiava a outra.

A faculdade de jornalysmo, para não se tornar inútil, melhorou sua estrutura e se adaptou à realidade do livre-mercado, passando a estimular que as empresas da área contratassem primariamente os profissionais formados. Nada impedia, entretanto, que os amantes do jornalysmo ingressassem no mercado sem formação nenhuma, e de vez em quando as empresas contratavam gente sem formação. Mas era aos formados que elas preferiam, porque agora os alunos saíam da faculdade cada vez mais preparados, porque sabiam da necessidade não só do diploma, mas da capacidade de fazer um bom jornalysmo.

Aqui, com preguiça, termino este que é, provavelmente, o maior artigo que mãos humanas já escreveram para rebater um texto tão obviamente errado. Mas que seja, cá está ele.