segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Sociologia bem escrita

É interessante notar que na análise da cidade pequena americana, tanto o romancista como o sociólogo tiveram, cada qual a seu modo, a atenção despertada por detalhes semelhantes e chegaram a conclusões muito parecidas. Interessaram-se ambos mais pela situação social do que pelo poder. O romancista ocupou-se de costumes e dos efeitos frustradores da vida na pequena cidade, nas relações e na personalidade humanas, o sociólogo não dedicou muita atenção à pequena cidade como uma estrutura de poder, e muito menos como unidade no sistema de poder nacional. A semelhança de seus efeitos descritivos é revelada pelo fato de que, apesar das provas que encerram, os infindáveis "estudos de comunidades" dos sociólogos parecem freqüentemente romances mal escritos; e os romances, sociologia bem escrita. -- C. Wright Mills, A elite do poder, cap. II, 2, n. 1.
Acho que podemos extrapolar e dizer que, no geral, romancistas compreendem melhor as relações sociais do que sociólogos, certo?

sábado, 25 de outubro de 2008

O brasileiro lê apenas X livros por ano! Shocking!

Quem conhece este blog sabe que eu sempre estou atento para o que o Serginho Groisman defende, para que então eu possa defender a posição diametralmente contrária. É uma ótima rule of thumb, posso dizer que falha pouquíssimas vezes, para não dizer que nunca falha, apesar de nunca ter me deixado na mão.

Serginho Groisman é um ícone, um símbolo que representa a beautiful people na minha mente, e uma de suas principais plataformas é o incentivo à leitura. Concomitantemente, minha posição a respeito da leitura é que devemos desincentivá-la.

O problema com isso é que eu abro dois flancos de ataque para meus inúmeros nêmesises:
1) "Ah, mas você só diz isso porque é vagabundo, preguiçoso, não lê nada, e é meio toupeira, pra dizer a verdade";

2) "Ah, mas você é um hipócrita, fica traduzindo livros e publicando na internet, depois vem pagar de gostoso e ficar falando que ler é palha".
Minha defesa dessas acusações seria a seguinte:

Eu não sou de fato contra a leitura, mas contra o endeusamento da leitura. Eu nunca defendi que a leitura fosse caminho para crescimento pessoal ou algo do tipo. E a maioria das pessoas concordaria comigo se parasse por alguns minutos para pensar sobre o assunto. Por quê? Ora, ora, todos sabem que existem milhares de livros porcaria, que não valem uma folheada. E no entanto as pessoas insistem em defender a leitura per se, sem limitações.

Certamente eu também não bateria no peito para dizer que não leio, que quem lê é nerd e tem que sair de casa, pegar um bronze. (Aliás, uma menina com quem eu morei não queria ser minha amiga porque eu era muito nerd e ficava "lendo o dia todo". Há idiotas para todos os lados, o que eu posso dizer?)

Eu acho que, no geral, nos preocupamos muito mais com se os outros estão lendo do que se nós estamos lendo. E se estamos lendo o que nos interessa. É dessas coisas que nascem coisas ridículas, como a construção de bibliotecas em favelas, como se fossem mais importantes do que saneamento básico para as famílias carentes (e na minha turma da faculdade já teve gente que defendeu isso).

Discussões sobre leitura me lembram sempre, também, as ridículas discussões sobre videogames, em que sempre alertam para o isolamento que os jogos podem causar, como se a socialização fosse um valor absoluto e não condicionado a outros fatores (que tipo de socialização? com quem será a socialização?).

Pensando nisso tudo, eu fiquei feliz ao encontrar a entrevista da Superinteressante de agosto, ano corrente, em que o psicanalista e professor de literatura Pierre Bayard, autor do livro Como falar de livros que não lemos, diz que ler não é tão importante assim.

Segue a entrevista na íntegra, porque além de não defender a leitura no geral, eu também não defendo a leitura de alertas de copyright:
Quer dizer que é possível ser culto sem ler um único livro inteiro?

Sem ler uma obra da primeira à última linha? Sim, claro! Para uma pessoa realmente culta, o mais importante não é ter lido várias obras por completo, e sim saber se orientar, situar o livro e o autor dentro de um conjunto, para poder compará-los e relacioná-los com outros. É como um encarregado do tráfego ferroviário: ele precisa estar mais atento ao conjunto de vagões e ao cruzamento dos trens do que ao detalhe do interior de um vagão. Ter essa visão do conjunto é muito mais importante do que saber detalhes do interior de um livro.

Quase todo mundo defende que uma pessoa precisa ler muito, mas nem todos lêem? Por quê?

É justamente essa obrigação de ter que ler que nos impede de chegar aos livros. Sacralizamos tanto os livros, o fato de ler e ter que guardar todas as informações e detalhes dos textos, que acabamos morrendo de medo das palavras e, então,... não lemos. Prefiro evitar todo tipo de "dever" ou "obrigação" sobre esse assunto. A leitura é um ato de liberdade. Não há como impor regras a ela.

Como assim?

Eu, por exemplo. Nunca li o Ulisses, de James Joyce, e nem pretendo. E nem por isso deixo de conhecê-lo. Sei que a história se passa em apenas um dia, tem a ver com a Odisséia, de Homero, e sei de vários detalhes que me permitem ter uma ótima conversa sobre o texto com quem quer que seja. E para isso não preciso mergulhar em suas páginas. Quer ver outro ótimo exemplo? Todo mundo fala da Bíblia. mas são raríssimas as pessoas que a leram do começo ao fim. E, no entanto, é um dos livros mais citados do mundo. Há milhares de formas de abordar um livro e não somente sua leitura integral.

E um desses jeitos é justamente a não-leitura?

A relação com a leitura é complexa. Entre a leitura e a não-leitura há uma infinidade de graus. Não podemos achar que a leitura da primeira à última linha é a única existente – até porque muitas vezes não fazemos isso. Podemos simplesmente percorrer as páginas do livro, ou ler o titulo e a orelha, ou então passar os olhos por um ensaio sobre a obra sem nunca tê-la entre as mãos. Um livro também pode entrar na nossa vida e fazer parte dela quando ouvimos falar sobre ele. Ler ou ouvir o que os outros dizem são atitudes que fazem com que tenhamos uma idéia e um julgamento sobre o seu conteúdo. E tudo isso já é uma relação com suas páginas, é também uma forma de ler.

Não precisamos sentir culpa ou vergonha por não ter lido as grandes obras?

Não – é muito melhor ser sincero com si próprio. A obrigação de ler os clássicos ou de ler os livros do começo ao fim é tão grande que faz muita gente mentir que leu, até mesmo professores universitários. Instaura-se assim uma mentira coletiva da cultura sem lacunas, de que devemos nos angustiar por não termos tanto quanto poderíamos. Mas não precisamos ter vergonha nem culpa. É melhor praticar a não-leitura ativa, ou seja, admitirmos que não lemos tal obra e, mesmo assim, falar sobre ela.

Você fala sério quando sugere que a não-leitura seja ensinada nas escolas?

Eu prefiro não dar conselhos. A idéia do que escrevi é mostrar uma forma leve e divertida de tirar a culpa do leitor por ele não ter lido essa ou aquela obra. Fazer com que as pessoas reflitam sobre a ação de ler, percam o trauma e, mais aliviadas, possam ler mais e livremente. Depois que os livros saíram, dezenas de pessoas vieram me confessar que ficaram mais calmas depois de perceber como ficam culpadas por não ter lido as grandes obras.

Se não temos a obrigação de ler tudo, por que alguém deveria ler seu livro?

Não deveria. Eu escrevo pensando em pessoas que se interessam pelos livros e que gostam de refletir sobre hábitos de leitura. Estudantes, professores, pessoas que estão na área das letras. Ninguém tem a obrigação de ler o que escrevi. Não quero dar conselho algum, da mesma maneira que não concordo com a idéia de que alguém "deve" ler Marcel Proust, "tem que" ler James Joyce.

Então podemos falar de livros que não lemos?

Sim, é até melhor que a gente fale sobre um livro sem tê-lo lido completamente. Um debate nunca se limita a um livro: geralmente acaba na discussão sobre nossas noções de cultura e literatura. Se eu tiver as mesmas idéias e referências idênticas às das pessoas com quem estou conversando, qual a graça? Aí não existe uma boa discussão, não existe troca de idéias, não existe prazer. A boa discussão está em nunca conhecer tudo.

Não há o perigo de incentivar a preguiça de ler?

Não quero de modo alguém dizer que não precisamos dos livros. Eu adoro ler, leio muito e não escrevi um tratado para que as pessoas parem de ler. A idéia é somente tirar o livro do pedestal do sagrado em que ele está. Quem incentiva a preguiça é a exigência de ler. Na escola, os alunos são obrigados a decorar detalhes do texto. Isso os afasta da leitura. Se o aluno não tem uma memória de elefante, pronto, vai mal na prova. A temida ficha de leitura, por exemplo. Eu nunca consegui fazer uma ficha de leitura decente na minha vida, porque tenho uma memória terrível. E meu filho, quando passou por essa tortura, me disse que era esse trabalho de decorar personagens e o enredo que o desencorajava a ler. Foi ai que comecei a pensar sobre esse trauma e sobre os milhares de caminhos que existem quando se trata de literatura.

Você fala que a "desleitura" é um desses caminhos. Dá para ler um livro se esquecendo dele?

Assim que terminamos um livro entramos em um movimento direto rumo ao esquecimento. Vamos esquecendo as passagens, as palavras, e acabamos transformando a obra lida em algo completamente diferente. Se li todo o Crime e Castigo e depois esqueci, isso quer dizer que eu li o livro ou não? E se não me lembro de nada? Se apenas o folheei, isso quer dizer que não li? Se alguém tem uma péssima memória – como eu –, acaba esquecendo inclusive se leu ou não o texto. Mas, cada vez que citamos a obra, ela vai se tornando outra coisa, vai mudando. É isso que eu chamo de desleitura, esse movimento pessoal rumo ao esquecimento.

Isso é bom ou ruim?

É bom. O filósofo Montaigne, por exemplo, era um esquecido célebre. Há passagens dos Ensaios em que ele diz que as pessoas mencionavam seus escritos e ele não percebia. Imagino que minha memória seja ruim como a dele. Já precisei reler meus livros porque os jornalistas começaram a solicitar entrevistas e eu não tinha idéia do que estavam falando. Mas isso faz também com que possamos ter conversas enriquecedoras sobre esses textos, porque nunca uma pessoa vai ter dentro de si o mesmo livro que outra. Cada um adiciona coisas suas às obras que leu. Há diferenças culturais que fazem com o que um livro possa ter infinitas leituras.

Em Como Falar de Livros Que Não Lemos, você dá conselhos e técnicas a quem quer ter essa atitude. As dicas vieram de experiência própria?

Quem vive no mundo da literatura, como no caso de professores como eu, sabe, na verdade, que não é preciso ler para falar de livros. Professores, críticos e jornalistas não têm tempo hábil de ler tudo o que poderiam, e isso acontece desde sempre. Então por que não admitem isso? Não é preciso decorar pontos e vírgulas para ter uma opinião sobre as obras. Para essas pessoas, criei algumas técnicas. Mas não vou enumerar para você porque eu sei que tem muita gente que vai comprar o livro só por causa dessa parte.

Você está ciente que a livro pode ser vendido como um guia dos picaretas da leitura?

Mas claro! Essa é a brincadeira, mas é muito melhor guardar segredo. Vai que o livro vira best seller também no Brasil.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

É por isso que eu fui eleito, para empreender mudanças

Se você girar a rodinha do seu mouse diversas vezes para alcançar o final da página, poderá ver que os links foram finalmente atualizados. Não que eu realmente pense que alguém os use, mas se você quiser alguma referência de leitura, quem sabe. Sou pura influência intelectual.

Teh Power Elitez, d00d

Se o Estado centralizado não pudesse confiar nas escolas particulares e públicas para inculcar a fidelidade nacionalista, seus líderes procurariam sem demora modificar o sistema educacional descentralizado. Se o índice de falência entre as 500 principais empresas fosse tão grande como o índice geral de divórcio entre os 37 milhões de casais, haveria uma catástrofe econômica em escala internacional. Se os membros dos exércitos dessem a estes apenas uma parte de sua vida proporcionalmente igual à que os crentes dão às igrejas a que pertencem, haveria uma crise militar.
Comecei a serializar A elite do poder, de C. Wright Mills, no libertyzine. Achei que os meus literais 5 leitores deste blog se interessariam.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Terminei de ler Death Note, o mangá é melhor que o anime, sério. O epílogo também é massa.

Hoje eu estava falando com umas pessoas sobre o fato de os estudantes terem que trocar seus cartões de meia passagem de ônibus de chip por cartões magnéticos aqui no Recife. E disse que não faria nenhuma diferença, porque as roletas continuarão no lugar, então o processo de entrar no ônibus vai continuar igual (colocar um cartão numa maquininha, esperar aprovação, girar a roleta).

Perguntaram o que eu queria no lugar. Na verdade, eu não quero nada no lugar. Couldn't care less se os ônibus têm ou não roleta. Se tivessem todos ar-condicionado, podem colocar três roletas mais caminho de pneus para atravessarmos antes de chegar nos assentos.

Mas eu ingenuamente citei o fato de que, nas cidades em que eu estive no exterior, não havia roletas nem cobradores nos ônibus.

Ouvindo isso, as pessoas entram em estado berserk, começam a me atacar, como se eu fosse o maior militante anti-roletas do país, presidente da ONG Roletas Nunca Mais, pós-graduado em sociologia do transporte coletivo.

Uma menina disse que o Brasil teria que evoluir uns 200 anos para que as roletas sejam dispensáveis. O que talvez seja verdade, embora eu sinceramente não tenha calculado o tempo tão precisamente e desconfie da metodologia adotada. Ficou dizendo que as pessoas nunca respeitariam ônibus sem roletas e cobradores, ninguém ia pagar, o caos reinaria.

O que eu acho mais curioso é que as pessoas sempre acham que elas próprias são civilizadas e capazes de respeitar um sistema que, digamos, não use roletas (ou mesmo caixas de auto-atendimento em supermercados), mas os outros são bárbaros demais. Não sei de onde tiraram essa noção, e me parece que a diferença de honestidade em geral não é muito grande (e, me parece ainda, que no passado as pessoas eram ainda mais honestas, e o mundo contava com menos mecanismos eletrônicos de vigilância, o que levanta dúvidas acerca da "evolução" necessária ao país - parece que seria necessário justamente o contrário, um regresso).

Na moral, acho que eu respeitaria mais essas pessoas se elas dissessem: "Sabe por que isso não funcionaria? Porque eu ia sabotar o sistema. Hehehe. *rindo, esfregando as mãos e olhando para os lados*"

domingo, 12 de outubro de 2008

Vamos formar a Incrível & Invencível Aliança Liberal

Sempre que vejo liberais pedindo para outros liberais cessarem o fogo amigo e passarem a atacar seus inimigos comuns, eu me lembro das últimas palavras do Capitão Spock, algo como "As necessidades da maioria se sobrepõem às necessidades da minoria ou do indivíduo". Quer dizer, vamos parar de falar mal uns dos outros em prol do grande movimento liberal. Como Jornada nas Estrelas muitas vezes soava suspeitamente comunista, isso basta para que eu fique meio desconfiado.

O problema percebido por esses liberais ecumênicos (e eu falo de liberais porque é o grupo mais amplo em que eu me encaixo e com o qual eu conseqüentemente tenho mais contato, mas imagino que o mesmo problema seja encarado por outras vertentes ideológicas) é que os outros liberais adoram criar facções e gastar todas as energias criticando pontos relativamente menores das próprias teorias em vez de gastar seus recursos com os inimigos reais. Ou seja, os ecumênicos são os integrantes do Judean People's Front, chamando o pessoal do People's Front of Judea de "splitters".

Como eu sou um "anarco-liberal" (ou anarco-capitalista, embora eu não goste do nome, ou anarquista de mercado, embora este soe tão bem em português), eu sou talvez um dos piores splitters do liberalismo. Portanto, eu falarei da questão do purismo e do faccionismo da minha perspectiva.

O que ocorre é que minarquistas, aqueles que acreditam no estado, ao contrário de mim, ficam querendo que eu pare de criticar certos pontos de suas idéias para criticar os inimigos comuns. É natural que os minarquistas queiram o apoio de anarquistas nas questões maiores, afinal, os dois grupos concordam em 90% das questões, and the more the merrier. Também é natural que os minarquistas se sintam atacados desproporcionalmente em relação às outras correntes ideológicas que representam ameaças maiores. Mas o remédio que os minarquistas propõem em relação aos anarquistas — desenfatizar as diferenças e enfatizar as semelhanças — me parece não ser tão bom assim.

Por quê?, você me pergunta. Porque essa estratégia abre a porta para que o debate fique viciado — isto é, ele aliena certas questões, tirando-as da pauta, e permite que outras questões mais se tornem anátema. Digamos que você seja minarquista e ache que a discussão sobre a existência ou não do estado seja uma questão menor em relação às grandes invasões da liberdade que são perpetradas ao redor do mundo hoje em dia. De fato, eu seria o primeiro a admitir isso — mas você vai mais longe e quer que as pessoas parem ou reduzam significativamente as discussões sobre um assunto tão irrelevante.

Mas por que suprimir só essa questão? Por que também não suprimir a discussão sobre a existência ou não, digamos, do ensino público? Ou da saúde pública? Ou do banco central? Ou, de fato, por que também criticar o banco central e não simplesmente certas políticas implementadas pelo banco central? Evidentemente as políticas que o banco central implementa são imediatamente danosas, e focar na própria existência dos bancos centrais pode indispor os estritamente minarquistas em relação aos liberais mais moderados. E por que parar por aí? Por que também não relegar a segundo plano a discussão sobre, digamos, obras públicas? Nós podemos focar no desperdício gerado por certas obras públicas — ponto que certamente une diversos liberais (isto é, desde os mais radicais aos mais moderados) e vários social-democratas.

Há sempre uma questão mais urgente que requer atenção imediata dos liberais, mas a tática dos ecumenistas, de tentar construir uma grande coalizão liberal, esbarra invariavelmente na pergunta: por que não uma coalizão ainda maior?

O problema se reduz à questão mais específica: qual é o objetivo dos liberais? Responder a essa pergunta também esclarece por que a tentativa de construir grupos cada vez mais amplos de liberais sempre fracassa.

Ela fracassa porque, embora o objetivo mais geral dos liberais seja aumentar a liberdade individual e diminuir o escopo do estado, esse não é um objetivo em volta do qual se constrói uma coalizão. Coalizões são construídas em torno de objetivos específicos. Mais liberdade individual não é um objetivo de uma coalizão política, mas de um grupo ideológico. Uma coalizão política deve ter como objetivo o impeachment do presidente, a resistência ao serviço militar obrigatório, a extinção do BNDES. Construir uma liga pela liberdade individual serve para divulgar uma idéia, mas não é uma ação prática contra o "inimigo".

Assim, tentar fazer com que os liberais não se digladiem entre si é inútil. E não apenas inútil, mas também deletério, já que canaliza o debate e faz com que cada vez mais questões se tornem indiscutíveis. Assim, o debate se fecha sempre que assuntos como democracia, ensino público, saúde públca, direitos sociais, etc, são abordados. Suprimir certas questões é efetivamente um desserviço à causa liberal, portanto.

O clamor por mais amor e carinho intra-movimento se baseia numa incompreensão da dinâmica política: as idéias políticas determinam os cursos de ação prática, mas não diretamente. As idéias mais abstratas são o determinante dos limites do debate político, não os determinantes de ações práticas.

Por isso foi possível que a Anti-Corn Law League, talvez o último grande movimento liberal da história, tivesse sucesso. Ele se assentava sobre uma base filosófica liberal, mas seu objetivo era bem mais restrito que a implantação total do liberalismo. O mesmo vale para a Revolução Americana que, embora tenha libertado os EUA da Grã-Bretanha, manteve o debate aberto entre os revolucionários sobre o que fazer após a independência.

Então, por incrível que pareça, apesar do o que os integrantes do Judean People's Front possam achar, o People's Front of Judea, o Judean Popular People's Front e o Popular Front of Judea podem até ajudá-los. Apesar de (ou exatamente por) serem splitters.

A solução definitiva para o caos urbano em São Paulo

(Escrevi este texto faz um tempo. Melhor colocá-lo aqui de uma vez, para referência futura.)

***

Assim como as massas cansadas que chegam à América anseiam por respirar livres, os paulistanos cansados anseiam por transitar livres. Não há um único dia em que não se proponha alguma medida para solucionar o caos urbano nas ruas de São Paulo. Vários especialistas já apontaram soluções, e a solução da moda é o pedágio urbano. Como também sou um especialista de renome em alguma coisa, vou apontar uma lista compreensiva de medidas que devem ser tomadas para se solucionar o problema do trânsito na capital paulista:
1) ...
Sei que as medidas acima propostas podem causar certo furor entre os círculos mais burocráticos, mas também acredito que sejam as únicas medidas capazes de assegurar a viabilidade do trânsito em São Paulo.

Até porque várias medidas já são tomadas e não adiantam nada. Convenhamos, se o governo de fato quisesse menos carros em São Paulo, baixaria um decreto os taxando em 5000%, o que possivelmente levaria à adoção de charretes na Avenida Paulista, dando um ar mais clássico ao centro financeiro do país. Imagino que, ao menos, aqueles que reclamam da velocidade e impessoalidade das relações sociais da sociedade contemporânea fossem ficar felizes.

Não fazer nada provavelmente é a opção mais prática e vantajosa porque eleva os custos de se possuir um carro sem qualquer investimento. No ritmo que as coisas andam, em breve não vai mais valer a pena viver em São Paulo e seus habitantes vão procurar outro lugar para morar — sem necessidade de pedágio.

As soluções usuais defendidas pelos "especialistas" sempre envolvem a construção de novas vias e o investimento em transporte público. Em primeiro lugar a construção de novas vias para aliviar o congestionamento urbano equivale, como observou James Kunstler, a afrouxar o cinto para perder peso. Em segundo lugar, é ridículo pensar que se deve "investir" em transporte público quando o governo proíbe o investimento privado no setor, conferindo privilégios para certos grupos com conexões políticas. O resultado é que o custo do transporte público é alto e a qualidade é baixa. Isso ocorre porque geralmente os ônibus e metrôs são vistos como "bens inferiores", ou seja, bens que as pessoas deixarão de usar assim que sua renda aumentar. Óbvio. Se as pessoas andam como sardinhas nos ônibus, não é de espantar que estejam dispostas a destruir a própria vida para financiar um Uno Mille em 36 vezes.

Em São Paulo, honrando a tradição de criatividade legislativa da cidade, ainda há o infame rodízio de automóveis há anos, que, como muitos já notaram, só incentivou as famílias a comprar um segundo carro. O rodízio é um fracasso, mas é uma medida que continua em vigor porque, como diria Mário Henrique Simonsen, o Brasil é o país da contra-indução. Na indução, nós testamos uma teoria e a mantemos se estiver certa; no Brasil, nós testamos uma teoria e, mesmo que ela se mostre errada, nós continuamos com ela até dar certo.

Posso até conceder que os pedágios no centro de São Paulo são uma melhora em relação a outras propostas, porque pretendem internalizar os custos de se andar em vias públicas. Mas o governo não tem como saber qual é o ponto eficiente para precificar o uso das ruas, já que não existe propriedade privada de ruas e sua escassez relativa está oculta. E, além do mais, por que nós deveríamos dar mais dinheiro para um bando de burocratas? Vamos, paulistanos, vocês podem sobreviver mais uns engarrafamentinhos por um bem maior.

Fato é que essas medidas de descongestionamento só são necessárias porque o governo incentiva sistematicamente o adensamento populacional. As cidades crescem muito além do ponto ótimo porque o governo externaliza diversos custos que de outra forma seriam privados.

A existência da Defesa Civil e do Corpo de Bombeiros incentiva, e não desincentiva, a ocupação de áreas perigosas das cidades, como encostas e barrancos. Os moradores, sabendo que serão protegidos de deslizamentos, enchentes, etc, pela Defesa Civil, sempre tentarão ocupar áreas aparentemente inabitáveis. Ao receberem abrigo após catástrofes, elas também são incentivadas a permanecer nas grandes cidades. Dado que os indivíduos via de regra vão preferir se concentrar em certos pontos para poupar custos de transporte, se você externaliza outros custos, obviamente a concentração será maior. Evidentemente eu não pretendo culpar essas pessoas por buscarem melhores condições de vida em uma cidade grande e, de fato, elas só o fazem porque suas opções foram limitadas de outras maneiras — se o governo subsidia a ocupação de áreas perigosas, por um lado, ele limita a elevação do padrão de vida dos pobres por outro.

Saúde, educação e até mesmo segurança pública têm o mesmo efeito: externalizam custos e incentivam o adensamento populacional. Em cidades em que a saúde e a educação pública têm maior qualidade, como no caso de São Paulo em relação a outras cidades, há a atração de pessoas. No caso da segurança, que, se fosse produzida privadamente, seria um bem heterogêneo, com preços diferentes cobrados para diferentes áreas, os preços cobrados são os mesmos não só para toda a cidade, mas para todo o estado de São Paulo (e o mesmo vale em todos os outros estados do Brasil), sem qualquer consideração pelo valor das propriedades a serem protegidas. Uma vez que o valor das propriedades em grandes concentrações urbanas é mais alto que em municípios pouco povoados, a segurança nas cidades grandes é previsivelmente mais cara. Com esse custo externalizado, haverá mais concentração urbana e, naturalmente, maior caos.

O zoneamento tão comum nas cidades brasileiras também tem culpa e deve responder em juízo por aumentar a necessidade de transporte público e do uso de vias públicas. As cidades brasileiras, e no mundo de forma geral, são planejadas em maior ou menor medida, sendo Brasília o extremo do planejamento urbanístico. São Paulo não é nenhuma Brasília, mas evidentemente tem lá o seu planejamento urbano. Em cidades planejadas, pretende-se separar cuidadosamente bairros residenciais, bairros comerciais, bairros industriais, etc, o que fica maravilhoso no mapa, mas, a não ser que você faça a sua feira na casa do seu vizinho, dividir estritamente a cidade em zonas só tem o efeito de aumentar a demanda pelo transporte urbano e pelo uso das vias públicas. O mesmo vale para os programas municipais, estaduais e federais de habitação, que são um tipo de zoneamento; eles criam enormes condomínios habitacionais sem nada em volta a não ser... casas. Para os governos, você só precisa de um teto para viver. O resto você dá um jeito de conseguir. Cohab, estou olhando para você.

Então, como se vê, realmente as zero propostas que eu sugeri no começo do texto seriam uma mudança revolucionária para a cidade de São Paulo, dada a quantidade de medidas, regulamentações e políticas que já são empregadas sem qualquer efeito prático. A própria desregulamentação do transporte público aumentaria a qualidade dos serviços, diminuiria os preços e mesmo desestimularia o uso dos carros na cidade. Bastaria que os ônibus fossem sujeitos à concorrência, que as vans fossem legalizadas e que fosse permitida a oferta de serviços em quaisquer linhas de transporte.

Antes de falar em encher o bolso de políticos com mais dinheiro com pedágios, seria melhor falar em esvaziá-los e queimar os livros de regulamentações do trânsito e do espaço público paulistano. São Paulo não tem qualquer justificativa para ter o trânsito caótico que tem. A área Times Square em Nova York também tem um trânsito um tanto caótico. Mas lá tem Hummer Limos tentando manobrar. Qual é a sua desculpa, São Paulo?

O manjar da saúde

Vendo esta petição, feita pelo Gustavo, me ocorreu algo: médicos, nutricionistas e pessoas socialmente preocupadas estão sempre querendo adicionar compulsoriamente alguns elementos na comida vendida por aí (alguns querem que adicionem uma porcentagem de ferro, outros querem uma pitada de mandioca no pãozinho, sem falar dos ingredientes já compulsórios que as empresas têm que adicionar às suas receitas).

Querem sempre adicionar tantas coisas à comida, para que tenhamos uma alimentação mais saudável ou mesmo para conseguir uma mãozinha do governo para lucrar, que vai chegar um momento em que tudo vai ter que ser misturado a tudo o mais, e nós vamos passar a comer uma papa homogênea composta de todos os alimentos existentes.

(E sim, eu sei que a petição não é muito séria e fala exatamente o contrário do que eu disse aqui. Mas me ocorreu isso quando eu a li, então tive que postar.)

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Alexandre Garcia: profundo

"O sonho de todo candidato que vai para o segundo turno é levar todos os votos que conseguiu no primeiro e adicionar mais votos a esses."

"Ganha o Brasil? Ganha o Brasil SE os eleitores escolherem os candidatos certos."

(Reflexões de Alexandre Garcia sobre as eleições municipais.)

sábado, 4 de outubro de 2008

A Crise - Um Tratado em Tópicos

1. A crise deriva do excesso de crédito;
2. O excesso de créditos é culpa da falta de regulamentação;
3. O FED regula todo o crédito do país;
4. Logo, não faltou regulamentação;
5. Portanto, não há crise.