sábado, 10 de novembro de 2012

A estética do desenvolvimentismo

Joaquim Murtinho, quando discutiu com Rui Barbosa no final do século 19, foi chamado de "agriculturalista" por não defender os subsídios à "manufatura nacional".

Eugênio Gudin, nos anos 40 e 50, recebeu o mesmo epíteto dos desenvolvimentistas quando se negou a defender estímulos à indústria.

Celso Furtado podia não ter os melhores argumentos, mas venceu a batalha midiática.

Eu diria, inclusive, que venceram suas ideias estéticas. A ideia de que, de alguma forma, produzir microchips é intrinsecamente melhor do que produzir bananas.

Mas não é. Toda a obra dos economistas clássicos como Adam Smith e David Ricardo pretendia desmistificar essa ideia de que produzir bens tais era melhor que produzir bens quais. O que importam são as vantagens comparativas, não as vantagens absolutas.

Toda a obra dos desenvolvimentistas, de Celso Furtado a Raúl Prebisch, é uma denúncia da agricultura. Para eles, não subsidiar a indústria era o mesmo que querer que o país para sempre fosse agrícola (e "agrícola", no vernáculo cepalino, é igual a "atrasado").

Países desenvolvidos são, em geral, países mais industrializados. Daí, aparentemente, os desenvolvimentistas deduziram que, para os países se desenvolverem, eles precisam "estimular" suas indústrias e desestimular atividades de "dependência" como a "agricultura de exportação".

Essa é uma inversão do nexo causal.

Países ricos não o são por serem industriais; na verdade, são industriais por serem ricos. Eles, quando se desenvolviam, puderam restringir o próprio consumo e aplicar seu capital em outras linhas de produção (no caso, a indústria e os serviços). Se os governos desviam capital de uma produção para a outra, o que ocorre é que são produzidos bens menos necessários ao consumidor. O país fica mais pobre.

Hoje o desenvolvimentismo voltou à moda. Temos empenho diuturno do Governo Dilma, com Guido Mantega e sua turma, de substituir importações e incentivar a indústria brasileira (através de gordos empréstimos do BNDES).

Como sempre, nós voltamos para a velha jequice de que temos que produzir petróleo, ou fibra ótica, ou carros, ou computadores dentro do Brasil porque, aparentemente, se eles vierem de fora não têm valor.

Mas convém lembrar que nenhuma dessas coisas é necessariamente mais valiosa do que bananas.

É uma verdade inconveniente, mas os liberais desde David Ricardo têm a ingrata tarefa de repeti-la.

Câmbio: paixão nacional maior que futebol, cerveja e carnaval

Saindo semana passada, dois conhecidos começaram a comentar comércio internacional. Um deles comentou em tom de aprovação que "o Brasil não manipula o câmbio como a China", alegando ainda que a China cresce "trapaceando" ao forçar a desvalorização do seu câmbio.

Eu creio piamente que o câmbio já é parte do folclore nacional. O câmbio deveria ser inserido como personagem mágico brasileiro, mais famoso e culturalmente relevante que o saci, o curupira, o boitatá e a mula-sem-cabeça. Se o saci cria um redemoinho por onde passa, o câmbio é capaz das maiores proezas; basta se desvalorizar para melhorar o padrão de vida de toda a população ao custo de todos os outros. Como Bastiat diria, os governantes ficam fascinados com o fato de que se pode aumentar a riqueza tão facilmente!

O que infelizmente não é o caso.

O câmbio é só uma razão de troca entre duas moedas. Ele tende a flutuar próximo ao poder de compra relativo das duas moedas (isto é, se 1 real compra X coisas e 1 dólar compra 2X, em média 2 reais comprarão um dólar). Expliquei essa dinâmica aqui.

E por que parece que os países se beneficiam tanto ao desvalorizar sua moeda?

Para desvalorizar a própria moeda, os governos imprimem dinheiro. A moeda nova chega primeiro no mercado cambial e aos poucos chega ao resto da economia. Com a moeda desvalorizada, os bens nacionais ficam mais baratos no exterior e os importados ficam mais caros dentro do país. Os exportadores se beneficiam porque seus bens ficam mais "competitivos", quem paga a conta é todo o resto da população, que agora tem que comprar bens mais caros.

Como o câmbio é só uma razão de troca entre duas moedas que compara o poder de compra de ambas, aos poucos ele se estabiliza. Quando o dinheiro "novo" chega em toda a economia, os bens nacionais deixam de ser comparativamente mais baratos em relação aos estrangeiros. Ou seja, uma política de desvalorização do câmbio requer uma expansão permanente da oferta monetária.

Por que, então, dizem que a China se beneficia tanto de câmbios forçados para baixo?

Ranço mercantilista. O que é visível são os efeitos da desvalorização sobre os beneficiados. No Brasil, a FIESP está sempre implorando uma boquinha, uma desvalorizaçãozinha. Os benefícios de um câmbio normal e estável, porém, são dispersos.

Em resumo, não é possível aumentar a riqueza de um país via câmbio. O que é possível é subsidiar os exportadores deixando os produtos estrangeiros menos atraentes. Isso, porém, é insustentável no longo prazo.

É isso que explica também, o Teorema Fundamental do Câmbio, criado pela própria FIESP: Qualquer que seja a taxa de câmbio, ela sempre precisa de uma desvalorização de pelo menos 20%.

O que é engraçado, mas também é correto do ponto de vista dos exportadores. O único jeito de a desvalorização cambial continuar tendo efeito é com uma desvalorização eterna.

O que ainda não explica, contudo, o fascínio com política cambial no Brasil, que faz com que em saídas aleatórias pessoas comecem a discutir o assunto como experts e passem diagnósticos precisos sobre a economia mundial baseados nessa variável.

A ironia dos latifúndios indígenas

Os guaranis-kaiowás desmentiram seu suicídio coletivo, mas isso não impede que milhares de pessoas se manifestem no Facebook pela demarcação de suas terras. Talvez, agora, tenham que fazer isso com seus nomes reais, removendo o "Guarani-Kaiowá".

Segundo o Censo 2010, 12,5% do território brasileiro é reservado a 517,4 mil indígenas. A população total do Brasil é de cerca de 190,7 milhões de pessoas. Subtraindo cerca de 500 mil pessoas, assim, 87,5% do território brasileiro é dividido entre 190,2 milhões de indivíduos. Em média, portanto, os índios têm uma densidade populacional em seus territórios quase 50 vezes menor que o resto da população brasileira. Obviamente a distribuição da população sobre o território não é uniforme, mas essa disparidade tão grande deve indicar algo.

A grande ironia do discurso da demarcação das terras indígenas é que a maioria de seus defensores são radicalmente contra os latifúndios - alguns "maiores que países europeus". Mas, incrivelmente, são favoráveis à privatização de vastos territórios em benefício de populações proporcionalmente muito pequenas.

Se o problema do Brasil é a concentração de terras (e eu creio que, de fato, esse seja um problema sério, uma distorção grave com várias causas), esse problema persiste com a concentração de terras para os índios.

Pode-se dizer que, no caso dos índios, alguns princípios são mais caros que a oposição às grandes propriedades - que, no caso, devemos defender a cultura indígena, que eles têm direito às terras por um ou outro motivo histórico. Porém, continua muito difícil defender a demarcação dessas terras tão gigantescas. Principalmente pelo fato de que os índios que vivem em reservas são inimputáveis. Os índios, assim, podem manejar suas terras da forma que querem sem preocupação com repercussões legais.

Sou simpático ao reconhecimento das terras indígenas, mas elas devem ser feitas em regimes comuns de propriedade. Os índios devem ser donos dos locais que ocupam e trabalham, mas não de nacos de territórios enormes de mata virgem. Para defender os índios e suas culturas não há nenhuma necessidade prática de tratá-los como incapazes ou fadados pelo destino à silvicultura.

Qualquer argumento contra a concentração de terras é duplamente contrário à demarcação política de terras indígenas. Dizer o contrário é auto-ilusão.

Qual é a educação que entra nos 10% do PIB?

A proposta de 10% do PIB para a educação ganhou popularidade e já até foi aprovada pela Câmara. Porém, não vai ser cumprida.

Dez por cento de destinação obrigatória do PIB é inviável para o próprio país e para o orçamento federal. Considerando que o porcentual destinado à educação atualmente seja de 5,70% do PIB, o governo terá que aumentar a carga tributária em 4,3%, no mínimo. Isso levaria os impostos para cerca de 40-42% do PIB. Isso ou vai custear os novos investimentos com dívida pública, que são impostos futuros. A última alternativa seria cortar outros gastos para abrir espaço para o orçamento da educação - mas o histórico recente do governo brasileiro não dá muitas esperanças.

Claro que o investimento per capita não deve aumentar de fato proporcionalmente aos 4,3% adicionais, devido à diminuição da atividade econômica advinda do aumento de impostos.

Efetivamente, os 10% do PIB para a educação são um slogan elevado à categoria de política pública. Nenhum país do mundo gasta tanto nessa área. A Alemanha gasta 4%, a Coreia do Sul gasta 4,5% e o Canadá, 4,6%. O problema, obviamente, não é o porcentual. De acordo com o quadro de gastos da OCDE, o investimento proporcional ao PIB, inclusive, tem baixa correlação com qualidade educacional.

Quando todos esses fatos são apontados, os defensores do aumento de gastos tendem a dizer que, de fato, o que importa não é o porcentual, mas o volume total de investimentos. Porém, aí fica bem mais difícil defender suas políticas: é complicado dizer que o Brasil, com suas limitações econômicas, deva investir o mesmo que um país de primeiro mundo como a Alemanha, simplesmente porque o Brasil é pobre e a Alemanha não.

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Agora, nada disso é o que me intriga mais na questão dos 10% da educação. A parte que eu considero mais interessante é o completo desprezo pela educação privada no cálculo da porcentagem.

Escolas privadas contam? Dentro dos 10%, entram os gastos em universidades privadas? (Imagino que, no mínimo, os subsídios do governo federal ao ensino superior privado entrem no orçamento de edcuação. Mas e quanto a quem não depende do ProUni?)

Outro ponto: cursinhos entram no gasto com educação? Claramente são gastos educacionais, embora não no perfil que as pessoas geralmente têm em mente ao falar de "educação". No Brasil, inclusive, cursinhos para concursos públicos são uma febre - e não dá para dizer que não tenham nenhum conteúdo educacional, a não ser que se admita que os concursos públicos não testam nenhum conhecimento (caso em que deve-se defender o abandono dos concursos e a adoção de outro método de avaliação para cargos públicos).

E cursos profissionalizantes privados? Cursos de música? Academias de ginástica e artes marciais (educação física, obrigatória nas escolas)?

Nada disso, aparentemente, conta no cálculo dos 10%. Não é surpreendente, mas é no mínimo curiosa essa ideia de que a única educação que existe é a educação estatal.