quinta-feira, 13 de junho de 2013

Os protestos de São Paulo

Este texto ficou bastante confuso.Não tenho intenção de arrumá-lo porque, além de confuso, ficou enorme. 

A causa não é necessariamente socialista. Revoltar-se com situações - e, por hora, relevaremos a validade da causa - não é exclusividade de comunistas ou da esquerda. A revolta é parte necessária na sociedade. Demonstrações de insatisfação são algo que qualquer pessoa de bem deveria celebrar. Elas mostram que há algo de errado na organização social.

Naturalmente, muitas vezes (quase sempre) o diagnóstico feito pelos indignados é precipitado - o que não torna ilegítima a insatisfação. Um paciente tuberculoso não está saudável porque o médico se confundiu e disse que ele sofre de pneumonia. Há algo de errado, embora a origem do erro não seja aquela imaginada pelo médico.

O grande problema do mundo, diagnosticado por Chesterton no começo do século passado, é que todos os pensadores modernos são reacionários. Chesterton diz que eles estão sempre vindo de algum lugar, não indo para ele. Nada poderia ser mais verdadeiro. Os conservadores são reacionários aos socialistas/progressistas, dizendo que eles merecem chumbo, que são vândalos, que a polícia precisa mesmo descer o cacete. Os progressistas, por sua vez, reagem aos conservadores, exigindo não apenas a igualdade (ideal nobre), mas também os privilégios e a institucionalização da diferença.

Em tradução grosseira da passagem de Chesterton a respeito do assunto, "a humanidade em praticamente todos os tempos e lugares percebeu que existem uma alma e um corpo tão claramente como há um sol e uma lua. Mas, como uma seita protestante chamada Materialistas declarou por um tempo que não existia alma, outra seita protestante chamada Ciência Cristã agora afirma que não existe corpo". Não sei como falar mais claramente sobre isso que o inglês. Apenas que dá pra identificar exatamente esse comportamento em ambos os lados do conflito.

Como há principalmente socialistas participando do protesto, a massa dos liberais e conservadores ignora o fato de haver, pelo menos, algum grau de injustiça no preço das passagens. Diz que "vinte centavos não são nada". Não deixam espaço para diálogo. Mas é óbvio que os preços das passagens são absurdos. Alguém que não tenha carteira assinada gasta mais de 100 reais por mês só com transporte. São mais de 15% do salário de alguém que recebe salário mínimo. Como não se indignar com uma situação dessas?

Entretanto, há que se destacar as outras causas para o preço absurdo das passagens. O sindicato dos funcionários de empresas de transporte simplesmente não permite que se acabe com o desnecessário cargo de cobrador - elevando o custo com a folha de pagamento. A Petrobrás mantém o monopólio de refino, importação e distribuição de combustíveis, além de acatar obrigações estúpidas de utilizar em suas plataformas peças produzidas em território nacional, elevando os já elevados custos do petróleo no país. A prefeitura mantém um sistema de concessões completamente estúpido e um tabelamento de preços ainda mais imbecil, com rotas relativamente rígidas que impedem a alocação eficiente dos recursos, elevando os preços, e impossibilitam a concorrência, conhecida por todos como a responsável por derrubar os preços.

Mas obviamente nenhum lado vai ceder. Não existe nem uma pressão significante para unificar os dois lados. E não deve surgir tão cedo. Essa força de união é possível apenas depois que cada lado abrir mão de seus preconceitos, e perceber que há algo de certo com o ponto de vista alheio. Que o conservador/liberal não quer ser obrigado a pagar pelo transporte do estudante. E que o socialista não quer ser obrigado a pagar preços absurdos para se transportar.

Nenhum dos grandes avanços modernos surgiu graças a apelos para que o governo fizesse algo. As lutas sindicais eram basicamente lutas contra o poder. A Revolução Francesa, que algumas pessoas estão usando em comparação com o movimento em São Paulo, também não foi um pedido ao governo para que administrasse mais a vida de ninguém. A queda do muro de Berlim não era um pedido pro governo fazer mais, mas para que ele parasse de fazer algo: de separar famílias, de controlar as vidas das pessoas e o direito de ir e vir.

A diferença - o que separa a simpatia praticamente generalizada angariada pela Revolução Francesa das acusações de vandalismo e da antipatia da massa pelos pedidos dos estudantes - é a presença obrigatória do Estado nos pedidos dos estudantes. Eles não querem preços justos: querem subsídios. Pretendem gastar dinheiro de impostos para bancá-los. Pretendem que analfabetos e semi-empregados paguem para que eles usufruam de benefícios (aparentemente, desempregados também merecem passe livre, segundo os manifestantes). Querem apoio popular para se colocar acima do povo, que é não apenas imoral, é também uma estratégia ineficiente da abordagem de uma insatisfação que, essa sim, é geral.

Outro ponto relevante a se levantar é: "por que eles defendem a gratuidade?" A resposta que posso dar é que não é possível determinar um valor justo. Essa impossibilidade decorre, dentre outros fatores, da intensiva interferência do Estado no sistema de preços do serviço. Existe, entretanto, a insatisfação generalizada da população com o preço do serviço. Como propor simplesmente uma redução da tarifa não tem apelo algum, e como qualquer valor sugerido pode causar insatisfação, opta-se, por ingenuidade ou estratégia, pela proposição da gratuidade (sem mencionar que, claro, o dinheiro pra manter a gratuidade tem que vir de algum lugar, seja dos bolsos do cidadão de hoje via impostos, seja do suor das próximas gerações, via endividamento público.