quarta-feira, 17 de julho de 2013

A propriedade privada como necessidade econômica

Texto da quinta semana do Prêmio DSJ, um dos mais fracos da leva, na minha opinião.

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A presença de direitos de propriedade privada é a condição sine qua non para a existência de um mercado. A própria ideia de mercado não faz sentido ao excluirmos o conceito de propriedade privada. Afinal, o mercado, por definição, é uma instituição ou um sistema no qual os indivíduos fazem trocas. Sem direitos de propriedade, ou, no mínimo, propriedades de facto, mercados não existem.

É possível imaginar outros regimes de propriedade, contudo. Concebe-se, por exemplo, que todos os bens num determinado território sejam de propriedade do estado ou de toda a coletividade. Nesse caso, o problema econômico não passa por um mercado, mas é um mero problema de alocação dos bens disponíveis, por assim dizer. Notoriamente, os movimentos socialistas, por todo o mundo, concebem a questão econômica dessa maneira, como um problema – ao menos primordialmente – distributivo.

Claramente, um sistema em que não existam propriedades privadas é possível em uma pequena escala. Famílias, por exemplo, dividem muitas
das mesmas propriedades. Suas necessidades podem ser atingidas nessa pequena escala, mesmo sem uma clara delimitação dos limites do que pertence a um indivíduo e do que pertence a outro dentro da estrutura familiar. No entanto, é impossível extrapolar esse funcionamento em pequenos núcleos para o funcionamento de uma economia complexa.

Isso ocorre porque as economias são estruturadas de forma a satisfazer as necessidades de diferentes indivíduos que têm diferentes desejos ao menor custo possível. Se os direitos de propriedade não são delimitados, é impossível comparar a escassez de um bem em relação a outro. É impossível inferir razões de troca entre os bens, porque também é impossível saber a demanda por um bem em relação a outro. Ou seja, não há preços.

Por esse motivo, Ludwig von Mises, nos anos 1920, postulou a impossibilidade do socialismo. Outros economistas liberais já haviam discutido os problemas do socialismo como proposto por várias correntes – mas destacadamente os marxistas –, que propunham a extinção da propriedade privada dos meios de produção. Porém, Mises mostrou que não haviam apenas problemas, mas uma impossibilidade categórica de funcionamento de uma economia complexa baseada na propriedade coletiva dos meios de produção.1

Sem o controle privado dos meios de produção, não há preços para eles. Sem esses preços, não se sabe qual a sua escassez relativa, quais são os custos de produção de um bem, qual é a demanda por esses meios de produção. Os agentes são incapazes de fazer o cálculo econômico; eles agem sob um caos calculacional. Esse caos se estende para qualquer seara na qual não haja propriedade privada. Logo, as ações de qualquer governo também se dão sob esse caos.2

Mises, assim, colocou a propriedade privada no centro das discussões sobre a economia. Qualquer discussão econômica pressupõe um arcabouço de direitos de propriedade. Sem direitos de propriedade privada, discussões econômicas são fúteis, porque a alternativa é apenas o desejo arbitrário de um governante ou de uma coletividade.

Interessantemente, como indicam Daron Acemoglu e James Robinson, regimes que restringem ou acabam com a propriedade privada dos meios de produção (e frequentemente também de muitos bens de consumo) não são a exceção histórica, mas a regra.3 Estamos acostumados a pensar nos experimentos socialistas de planejamento central – a Rússia soviética e seus países satélites – como anomalias. Porém, o fato é que, ao longo da história, o controle sobre os meios de produção poucas vezes esteve nas mãos do indivíduo. Na maioria das vezes, era o estado, capitaneado por uma aristocracia, quem os monopolizava. Exemplos
incluem o estado inca, as cidades-estado gregas, a Europa medieval, entre outros.

Isso nos explica facilmente por que, por toda a história, a pobreza foi a condição prevalente da humanidade. Não havia calculo econômico nessas sociedades; qualquer crescimento econômico era impossível.

E por que economias em que há direitos de propriedade privada são tão raras? Acemoglu e Robinson respondem: porque a economia não era primordialmente voltada para as necessidades dos consumidores. A propriedade privada dá liberdade de ação aos indivíduos e a economia era voltada essencialmente para a necessidade da elite de controle social.

Referências

1 MISES, Ludwig von. Economic Calculation in the Socialist Commonwealth. Auburn: Ludwig von Mises Institute, 1990.
2 MISES, Ludwig von. Planned Chaos. Irvington: Foundation for Economic Education, 1981.
3 ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James. Why Central Planning?. Disponível em: Acesso em: 12 abril 2013.