domingo, 16 de fevereiro de 2014

A regulamentação da mídia

Quem defende a regulação da mídia pelo Estado, em geral, está insatisfeito com os discursos repetitivos da nossa mídia tradicional, que dá pouco espaço a alguns assuntos que seguramente mereceriam mais tempo de exposição e melhor apuração. A doença, muito bem diagnosticada, não reage bem ao remédio proposto.

É preciso, sim, discutir o sistema de concessões públicas do espectro eletromagnético, tornado artificialmente escasso tanto por regulamentações estatais quanto pela demanda tecnológica. Entretanto, regular é limitar. Não é possível aumentar a pluralidade de vozes reduzindo o número de pessoas com autorização para falar, por mais que a retórica seja a de romper com o oligopólio.

Foi a regulamentação (e eventual fiscalização) das rádios que acabou com as centenas de rádios "piratas" que existiam, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. Ao ler "Rebels on the Air", de Jesse Walker, é impossível não ficar pelo menos um pouco irritado com o que aconteceu às rádios comunitárias para dar espaço às redes de rádio concessionárias. Dá pra ver o oligopólio se formando pouco a pouco, sua silhueta tão ampla quanto os apertos das novas restrições.

Entretanto, aparentemente, o melhor que costumamos ver no sentido de "democratização da mídia" são propostas para que o governo troque de amigos. É como se estivessem dizendo: "chega de Marinhos e Abravanéis, tá na hora dos Souzas e dos Costas". Mas os Souzas inevitavelmente escolhidos sofreriam do mesmo mal que os Marinhos. Muda o dono da bola, mas o dono do campinho ainda é mesmo. O aluguel a se pagar pra brincar nele é o mesmo peleguismo monocórdio que vemos hoje.

E o pior: quanto mais regulamentação, mais fácil fica restringir a oposição nos momentos em que ela se faz mais vocal.

Vejamos o caso da Venezuela, por exemplo. Um canal de TV que cobria os protestos de rua da Venezuela foi tirado do ar. Se você já chamava a Globo de golpista por mostrar pouca coisa, ou apenas um dos lados, imagina o que é ver um canal de TV ser tirado do ar porque mostrava uma versão dos eventos que não condizia exatamente com o que o governo venezuelano estava afim de mostrar. Imagina ver jornalistas sendo presos por tentar mostrar, não a impossível realidade integral, mas ao menos um pedaço dela, ali presente. Uma das interpretações possíveis.

Imagina não poder mais dar nem mesmo sua própria opinião na internet, porque o twitter saiu do ar quando o provedor estatal de internet bloqueou o ip do site.

Sim, é por isso que se luta quando se pede pela democratização da mídia.

Eu, entretanto, serei a última pessoa que você vai ouvir dizer que acha que está tudo bem com nosso sistema de concessões. Vamos discutir os melhores métodos de gerenciar o espectro. Vamos analisar a questão como John Locke analisava o homesteading, tão ignorado por todas as autoridades desde sempre justamente por não prover benefícios especiais a nenhum amigo do rei. Vamos tentar olhar além do senso comum de que o espectro é público e do que é possível fazer com isso. Vamos ver no que dá mudar as coisas a partir da origem do sistema atual.