sábado, 13 de setembro de 2014

O que eu tenho escrito

Um dos melhores textos que já escrevi, inspirado bastante sobre minhas leituras sobre o imperialismo brasileiro e o sistema corporativista que se desenvolveu principalmente a partir dos anos 1990 no país, Como as privatizações criaram novas estatais no Brasil:
As “privatizações” no Brasil não foram marcadas por qualquer transferência ou pulverização de poder e controle econômico; elas, efetivamente, foram reestruturações corporativas que mudaram muito pouco a distribuição do controle econômico e modificaram o regime jurídico das empresas apenas o suficiente para que se tornassem economicamente viáveis novamente.

Evidentemente ocorreram melhorias técnicas e aumentos produtivos; é também evidente que esse era o objetivo inicial das reestruturações, que não incluía qualquer mudança substancial no controle acionário das empresas “vendidas”. As privatizações brasileiras não foram uma maneira de livrar o estado do controle sobre empresas, mas foi a maneira que o estado brasileiro encontrou para manter o controle sobre elas.

A campanha eleitoral de 2014 conta com alguns candidatos que pretendem reavaliar os méritos das privatizações. Discutir as privatizações não é nada novo; a cada quatro anos há um novo ciclo de condenações a elas pontuados por alguns elogios infundados. A realidade é que apoiadores e opositores das privatizações falam de processos ideais imaginários. Poucos falam da realidade das privatizações no Brasil: não foi “entreguismo”, “privataria”; também não foi o ápice da “eficiência” e “enxugamento do estado”. Foi uma reformulação do aparato estatal e a inclusão da classe corporativa em seus quadros.
Aécio Neves e a ideologia tecnocrata, falando sobre como as ideias tucanas, apesar do marketing novo, são apenas mais uma iteração da velha tecnocracia:
Eleitores de políticos como o candidato à presidência Aécio Neves, assim como muitos apoiadores do PSDB de forma geral, se surpreendem pela falta de impacto de ideias atreladas à “eficiência” do setor público, que buscam um “choque de gestão” e a “profissionalização” do governo. É um pensamento moderadamente disseminado, que também era encabeçado no governo de Pernambuco (mais como manobra de campanha do que como política efetiva, vale ressaltar) por Eduardo Campos, morto no último dia 12 de agosto. No fundo, a crença é de que existe — ou ao menos deve existir — uma separação vital entre administração pública e política; entre ideologia e eficiência. Contudo, a ideia de profissionalizar a política, de colocar “técnicos” nos cargos públicos, de “gerir” a coisa pública como se fosse uma firma convencional é, em si, profundamente ideológica.
Por que os debates eleitorais são um circo fala sobre a ideia do jornalismo como mediação entre a elite e o público. O jornalismo, assim, não precisa recorrer aos fatos, mas só a uma projeção do "interesse público":
Os debates presidenciais televisados novamente são o centro dos comentários no Brasil. E novamente nós nos vemos “sem vencedor claro” e pouca ideia de que tipo de discussão assistimos entre os potenciais eleitos. Por que isso acontece?

O jornalismo moderno, uma versão do ideal de Walter Lippman de intermediação dos fatos entre o público e as elites, é especialmente adaptado à produção corporativa de notícias e análises. Como observou Kevin Carson, o modelo jornalístico atual requer mínima referência aos fatos, já que os fatos não são independentemente importantes e devem ser avalizados por algum tipo de elite de “especialistas”.
Eduardo Campos morre mas suas ideias infelizmente sobrevivem tenta escapar do revisionismo hagiológico da biografia de Eduardo Campos, que foi apenas mais um na linhagem de políticos corporativistas e patriarcalistas brasileiros:
Talvez seja inevitável que a morte de um político expressivo seja explorada de maneira sórdida pelo exército de interessados em se beneficiar de parte de sua memória. Eduardo já foi lembrado como uma “liderança promissora”, um “negociador”, um “estadista” que “transcendia divisões partidárias”. E isso tudo é mentira. Por isso talvez seja mais necessário ainda lembrar o que a entrevista de terça-feira de fato mostrou o que Eduardo Campos era: um político da velha guarda, ligado ao velho sistema e à velha elite, ao velho capitalismo de compadrio; um coronel personalista na tradição nordestina de fazer política.
O magnata dos ônibus e a coleção de vinis que você comprou para ele fala do caso curioso do dono de empresas de ônibus de São Paulo com a maior empresa de vinis do mundo, contada pelo New York Times. Sua riqueza aparentemente não foi perturbadora para quem escreveu a matéria, mesmo com os protestos de 2013 no Brasil inteiro:
Voltando para 2014, recentemente, o New York Times publicou uma reportagem (“The Brazilian Bus Magnate Who’s Buying Up All the World’s Vinyl Records“, 8 de agosto) que conta a curiosa história do dono de uma empresa de ônibus com uma coleção impressionante de vinis. É impossível exagerar a extensão da coleção de Zero Freitas, de 62 anos, dono de uma empresa que atende a periferia de São Paulo: ele mesmo só consegue estimar os números da coleção chegando a “vários milhões”.
Também tentei falar da tentativa de desumanizar os usuários de crack em O discurso do crack:
Em sua visita ao Brasil, perguntaram ao neurocientista Carl Hart o que ele pensava sobre o termo “Cracolândia”. Hart respondeu: “Com esse nome, nós mostramos para a sociedade como vilanizar certos grupos de pessoas”. É verdade. Ao falarmos da “Cracolândia”, divorciamos a questão de nossa realidade. A Cracolândia passa a ser um mundo separado em que vigoram regras diferentes da nossa vida ordinária.
E, por último, escrevi uma dobradinha de textos que falam sobre o relacionamento dos sindicatos do Brasil com a estrutura corporativa atual em A individualização dos problemas trabalhistas e Como o governo, empresas e sindicatos culparam você pelo seu desemprego:
A tendência a individualizar os problemas sociais pode soar como uma das pseudoexplicações sociais típicas do século 19, mas é uma ideia que não morreu. Como já escrevi anteriormente, o pensamento de que os indivíduos são responsáveis pela própria situação de desemprego por falta de qualificação é moeda corrente no governo, em empresas e sindicatos.

O discurso da qualificação para o “mercado de trabalho” toma a estrutura existente de produção e de emprego como dados e, se os trabalhadores não conseguem se inserir nessa estrutura, o problema é a falta de iniciativa individual. Esse discurso, naturalmente, nunca aparece de maneira destilada, mas é o substrato de muitas das defesas de cursos de capacitação e na lembrança permanente de que há “vagas de