domingo, 28 de junho de 2015

Sobre a Lei Pelé e a base dos clubes de futebol brasileiros

Comentei recentemente no Facebook sobre a Lei Pelé, que é frequentemente acusada de ter destruído os clubes brasileiros. O que pode ser verdade, mas ninguém diz que nossas fazendas foram destruídas depois do fim da escravidão. A Lei Pelé foi um avanço.

O sistema anterior, em que os clubes detinham o passe dos jogadores, era um absurdo e criava um sistema de servidão. O jogador era preso ao time mesmo que ele não estivesse contratado e sem ganhar salário. Era ridículo. Ninguém lembra, mas antes da Lei Pelé, os jogadores ficavam vários anos no mesmo time com salários pressionados pra baixo, porque não podiam comprar o próprio passe (que era colocado em níveis absurdos).

O problema de investimento na base é diferente. Tem a ver com o fato de que é impossível fazer qualquer tipo de contrato ou acordo com menores de 18 anos. Isso sim é o cúmulo. Deveria haver algum instrumento legal pra contratar os menores em quem o clube investiu. A porcentagem de clube formador é uma piada. Mas isso não é um problema da Lei Pelé, que combateu o sistema anterior que era muito pior.

Pra mim, o real problema é que o futebol brasileiro todo é estruturado em bases de 1920.

Os clubes de projeção nacional do Brasil ainda são geridos como associações de bairro, com dirigentes amadores por estatuto (literalmente amadores, eles não podem receber pelo trabalho). Essa é uma bizarrice da época em que o futebol estava se profissionalizando no Brasil e a aristocracia via aterrorizada o avanço dos jogadores pagos (e negros) e a decadência do "espírito olímpico" (que basicamente significava que receber pra jogar bola é pecado).

Isso se vê até nos programas de sócio dos clubes, que ainda contém bizarrices como "acesso às dependências do clube" -- porque você tem que ser capaz de fazer seu churrasco de aniversário na sede do seu time, claro.

Como a gestão é amadora e não tem qualquer financial stake sobre o futuro do time, acontecem esses descontroles financeiros cíclicos em todos os times. Isso acontece com todos os times, até os que são periodicamente chamados de "modelos de gestão".

O São Paulo ganhou tudo, foi chamado de modelo de gestão. Se endividou até o pescoço, desmontou o time e agora se reestrutura. O Corinthians, idem. O Cruzeiro, idem. O Vasco (meu time) torrou a grana toda num "projeto olímpico" e há 15 anos não é relevante depois de ter ganhado tudo.

Então aparece o governo pra fazer o "socorro" rotineiro aos times. No começo dos anos 2000 criaram a tal Timemania. Agora se fala em perdão das dívidas (que de vez em quando acontece, mas agora as dívidas já passam das centenas de milhões, então quem sabe?). Os clubes também tiveram um boom recente com o subsídio que receberam dos estádios novos da Copa e incorreram em ainda mais gastos.

Enquanto a estrutura dos times brasileiros não for reformada, vai ser isso aí mesmo. Ah, e não faz nenhum sentido atletas olímpicos serem patrocinados, mas clubes de futebol não poder fazer contratos com moleques de 15, 16 anos.

Quanto à CBF... bom, ela é um retrato do amadorismo dos nossos times. Literalmente, já que os 20 times da série A que votam em quem tá lá. Sem reformar os clubes, devem continuar a contratar Dungas.