domingo, 9 de junho de 2013

As liberdades e a autonomia do mercado

Prêmio Donald Stewart Jr. 3ª semana

Tema: O sistema político e o sistema econômico

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Em seu ensaio de 1958 Dois conceitos de liberdade, o filósofo Isaiah Berlin postulou a ideia de “liberdade positiva” e de “liberdade negativa”. Segundo ele, a liberdade positiva se caracteriza pela capacidade dos agentes; isto é, aquilo que são capazes de fazer ou executar dentro de um dado sistema.

A ideia de liberdade negativa é a liberdade de que a pessoas desfrutam da interferência de terceiros sobre sua atividade. Trata daquilo de que um agente pode ser impedido legitimamente de fazer. Ou seja, é uma liberdade negativa porque trata do que uma pessoa não pode fazer. Notoriamente, a última concepção é a mais palatável aos liberais, que, no campo político, preocupam-se primordialmente com a interferência indevida no campo de ação dos indivíduos. De fato, a noção de liberdade positiva tem sido associada primariamente a ideologias que pretendem permitir que o indivíduo tenha acesso – não necessariamente por ação própria – a diversos bens e serviços, como saúde, educação, etc.

Essas duas concepções de liberdade frequentemente se chocam. Ter os meios para executar uma ação significa que esses meios têm que ser fornecidos por alguém. Se uma pessoa terá acesso, por exemplo, a um serviço de saúde que não foi custeado por si mesma, alguém terá que custear esse serviço de saúde – e esse custeio poderá ser feito através da força. Essa força é um cerceamento da liberdade negativa em prol da positiva.

Milton Friedman, porém, em seu célebre Capitalismo e Liberdade, discute em um dos capítulos a relação estreita que existe entre a liberdade política e a liberdade econômica. Um dos comentários mais perspicazes de Friedman, para mim, é aquele no qual ele nota que uma das maiores virtudes da liberdade de mercado na sociedade é a de difusão do poder. Sem o controle estatal da economia, torna-se mais difícil controlar os indivíduos. A separação do poder econômico do poder político promove a liberdade política.

Deve-se notar, portanto, o relacionamento conceitual que existe entre a liberdade negativa e a liberdade positiva. Com o cerceamento político da liberdade negativa, nós transferimos tudo o que antes estava no raio de ação dos indivíduos para o estado. De imediato, podemos ver ganhos no escopo da liberdade positiva: com mais recursos, o estado é capaz de fornecer mais serviços, como saúde, educação, melhor infraestrutura. Porém, gradativamente isso vai erodindo o poder político dos indivíduos. Sem a liberdade econômica – isto é, sem uma liberdade de empreender e manter os frutos do próprio trabalho –, a liberdade política fica cada vez mais fragilizada, porque os governantes as amarras que constringem seu poder de ação.

É notória a falta de liberdade dos regimes socialistas que se estabeleceram no mundo após 1945. O muro de Berlim foi um marco dessas ditaduras, que não permitiam nem mesmo que os indivíduos saíssem de seus territórios. Internamente, a maioria possuía algum sistema de passaportes internos, para não permitir a migração de indivíduos de um local para outro do país. Por que isso ocorria? Porque a liberdade econômica dos cidadãos estava tão debilitada que eles não podiam nem mesmo escolher onde trabalhar, uma vez que o sistema produtivo era totalmente planejado. Com esse planejamento, os indivíduos perderam tanto a liberdade negativa de não sofrerem interferência ao se locomoverem de um ponto a outro, mas também a liberdade positiva de terem os meios para fazê-lo.

Logo, existe uma relação próxima entre as duas liberdades, embora elas entrem em conflito com frequência. Da mesma maneira, a liberdade de mercado é complementar à democracia política, porque um regime democrático não é capaz de subsistir sem uma liberdade econômica razoavelmente ampla. Quando não há mais liberdade econômica, a democracia se torna uma fachada, porque o estado se tornou capaz de ditar todos os rumos da vida do indivíduo, política e economicamente. A democracia necessita de autonomia.

Inversamente, a liberdade econômica é a única que pode promover a liberdade positiva sustentavelmente, porque garante que o indivíduo não sofra interferências arbitrárias e que não perca por vias políticas os meios para chegar a seus fins.

Referências:
FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e Liberdade. São Paulo: Nova Cultural, 1985.
BERLIN, Isaiah. Dois Conceitos de Liberdade. In: Estudos sobre a Humanidade: uma antologia de ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.