sexta-feira, 12 de julho de 2013

A ditadura não é do politicamente correto

Minha única contribuição para o Prêmio Donald Stewart Junior, do Instituto Liberal. O texto foi pré-selecionado, mas infelizmente não fui premiado com nada. Gostei do texto, e deixo aqui registrado para a posteridade.

“Posso não concordar com uma palavra do que dizes, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-lo” (Evelyn Beatrice Hall) certamente é a frase que melhor ilustra o pensamento liberal a respeito da liberdade de expressão. A frase, erroneamente atribuída a Voltaire, é entendida por muitos liberais apenas na sua segunda metade, uma defesa radical do direito negativo de toda pessoa de não ser calada, e ignorada em sua primeira metade: a universalização desse direito, expressa na discordância do debatedor – que pode ser ativa e contundente.

O direito de falar, negativo, não implica, portanto, no direito positivo de ser ouvido e respeitado por suas opiniões. Essa é uma premissa com a qual nenhum liberal pode discordar, sob o risco de cair em contradição e deitar por terra todas as suas convicções. Partimos, então, do princípio básico de que toda forma de censura praticada de forma coercitiva é errada, mas que a resistência pacífica a essas idéias, por vias como a militância ou a resistência pacífica e ativa, como protestos e publicações impressas é válida.

Alcançado o consenso sobre esse aspecto da liberdade, podemos abordar o politicamente incorreto como forma de protesto pacífico e como tentativa de imposição cultural. Para essa abordagem, preciso contar com a boa-vontade do leitor em aceitar as seguintes premissas, que não defenderei longamente aqui por falta de espaço:

- Que existe, diluída na cultura, uma série de preconceitos de raça, gênero, sexualidade, idade, dentre outros;

- Que esse preconceito, em grande parte, foi intensificado por imposições ou legitimações estatais, como a escravidão dos negros e a proibição do voto feminino;

- Que as mudanças culturais não podem ser efetivadas de forma imediata, com uma canetada (ou com uma “canetada negativa”), e precisam de livre difusão ao longo do tempo entre todos os agentes da sociedade para se concretizar;

- Que o modus operandi do Estado é quase inevitavelmente através de canetadas;

- Que a cultura de um povo tem reflexos evidentes em sua economia e em sua participação política.

Aceitas essas premissas, a conclusão é que as relações sociais não estão em sua forma equilibrada de “livre-mercado de cultura”, mas passam por um processo de reestruturação natural a todos os mercados depois de extinta uma longa e severa regulamentação. Nesse cenário, há falência de empresas ineficientes, que podem ser representadas no cenário cultural por idéias anteriormente subsidiadas, mas sem substrato para manter-se numa sociedade livre. Há uma realocação dos recursos, que pode ser encarada, culturalmente, como o surgimento de novas idéias, antes proibidas. Surgem grupos defendendo idéias específicas, colocando ao dispor de toda pessoa várias opções, para que escolham a que julgarem mais apropriada.

Dessa forma, pode-se escolher, para falar de um negro, entre as palavras preto, negro, crioulo, afrodescendente e possivelmente outras. E os simpatizantes de cada uma dessas palavras tem o direito natural de defendê-las – desde que se mantenham longe do poder coercitivo do Estado. O politicamente correto em é análogo à tentativa de uma empresa de se estabelecer, por vias publicitárias legítimas, num mercado onde antes era proibida, ofertando seus produtos (palavras como afrodescendente e homo-afetividade) à sociedade.

O Estado, entretanto, raramente permite que as empresas tentem qualquer empreitada sem se apropriar do mérito e atribuir um valor coercitivo a uma relação de outra forma puramente voluntária e pacífica. Aqui começa e termina o problema do politicamente correto: quando o Estado sinalizou sua aprovação a essa ideia, alguns defensores do politicamente correto partiram em sua direção para pedir a oficialização das formas que defendem, numa espécie de lobby cultural, o que levou à imposição arbitrária de algumas posições que, certamente, faliriam numa sociedade mais livre (como a criticada cartilha que o Governo Federal tentou passar em 2005, elencando os termos considerados ofensivos).

É a essa intromissão do Estado que deve se opor ferrenhamente o liberal com bases ideológicas, e não ao politicamente correto em si ou suas palavras eleitas que tentam entranhar na cultura. O liberal tem obrigação moral de defender o livre-comércio das idéias, tanto quanto tem o direito de não consumir nenhuma delas, e de opor-se a elas. Porque a ditadura não é – não pode ser, em termos lógicos – do politicamente correto. Ela é do Estado.