terça-feira, 4 de setembro de 2012

Todas as dicas que recebemos e protestos que ouvimos são inúteis

Chegam as eleições e todos querem nos ver votando bem, votando certo, aquele voto matreiro, democrático, de várzea e de raiz. Pedem que assistamos ao horário eleitoral, que acompanhemos a história dos candidatos, que conheçamos os projetos de todos os candidatos antes de eleger nosso favorito e depositar o futuro do país nas mãos do nosso escolhido.

Aí, óbvio, depois das eleições e depois que os novos bandidos tomam posse, passam a criticar o fato de que os outros não estudaram em quem votar, que votaram sem conhecer todas as gerações do candidato até o elo perdido, ou até Noé, dependendo de suas crenças. E que por isso o país está como está, por isso a corrupção toma conta do país, esse grande demônio, o maior de todos os entraves ao desenvolvimento brasileiro, a corrupção.

Há, no mínimo, dois erros básicos nos pressupostos assumidos pelos críticos das escolhas dos brasileiros nos pleitos: o primeiro é a suposição errada de que a corrupção é esse monstro todo, e que é a maior imoralidade rolando por aí. Que o dinheiro da corrupção, se fosse aplicado em outros programas do governo, solucionaria os problemas do mundo todo, e chegaríamos enfim à terra do leite e do mel. Volto à corrupção mais tarde.

O segundo pressuposto equivocado é o de que é possível conhecer um candidato assistindo ao seu programa eleitoral - claro que os quatro segundos cedidos a um candidato a vereador do PCO são suficientes para despertar o interesse em mim de pesquisar sobre todo o seu passado, de levantar sua ficha, de gastar horas de vida pesquisando se, talvez, esse vereador que filmou seu programa em uma webcam barata não é, de fato, o mais interessante para minha cidade. Faça-me o favor.

Além disso, até nas campanhas majoritárias, não existe nenhuma diferença entre as propostas dos candidatos. Candidato A vai construir mais creches, mas também tem planos pra infraestrutura viária e pra reformar policlínicas. Candidato B vai melhorar a infraestrutura viária, aka construir mais ruas, mas também prevê a construção de escolas e creches, além de mais UPAs. Candidato C vai construir mais hospitais, além de tudo o que os outros candidatos farão. Candidato D idem. O que o guia eleitoral me ensina, então? Vote em qualquer um.

Nenhum guia vai dizer "Processado por peculato, Fulano responde hoje também por improbidade administrativa e homicídio doloso. Mas vote nele mesmo assim, porque ele gosta de futebol e dança de salão". Todos vão prometer fazer coisas maravilhosas. Continuar um grande trabalho ou fazer as mudanças necessárias, conforme o candidato esteja na situação ou na oposição. No fim das contas, os planos são os mesmos. É, portanto, impossível conhecer um candidato pelas propagandas - afinal, propagandas são amostras unilaterais do propagandeado.

Outra possibilidade seria conhecê-los através do jornalismo. Mas as denúncias dos jornais são tão inócuas que não fazem nem cócegas nas convicções da população. "Candidato Cicrano colocou seu cunhado na Secretaria de Obras", dizem os jornais, como se isso fosse OH MEU DEUS TERRÍVEL. Não é. "Candidato Beltrano não cumpriu todas suas promessas de campanha", ou "não concluiu uma obra no bairro X", ou "não solucionou o problema da saúde". Enfim. Grandes coisas.

Voltando à corrupção, segundo este site que não sei se é confiável, foram desviados até agora R$64,5 bilhões este ano. A arrecadação já ultrapassa um trilhão. Claro que o valor desviado é elevado. Mas 6% da arrecadação não seriam suficientes para resolver absolutamente nenhum dos problemas estruturais do país. O argumento da corrupção é inválido e, acredito, negativo para o debate da situação brasileira.

Explico: todo tipo de discussão sobre a situação da saúde pública é desviada de "a saúde pública é uma merda por incompetência estatal" para "não, o problema é a corrupção". Educação? Mesma coisa. Infraestrutura? Idem. O problema da corrupção é ampliado com uma lupa muito mais forte do que merece, e acaba distorcendo a importância de outras causas mais relevantes dos problemas que temos no dia-a-dia: os lobbies, os cartéis, o assistencialismo e, principalmente, a incompetência e a ineficiência.

O desvio do assunto para a corrupção desvirtua e desqualifica o real debate, que é sobre a ineficiência intrínseca à administração estatal, devido à elevada burocracia, à origem "automática" e abundante do dinheiro e aos excessivos direitos dos servidores públicos - estabilidade e nenhum estímulo à produção, por exemplo, dentre outros vícios da administração estatal que não podem ser corrigidos devido à sua própria natureza.