segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O liberalismo de ocasião dos anti-petistas

Aproveitando o tema das eleições, quero colocar algumas questões em perspectiva.

Como liberal, a cada dois anos, os anti-petistas querem me convencer de que devo votar na oposição formal do PSDB e agregados, em contraposição à corrupção e projeto de totalitarismo do PT.

Eu rejeito essa visão. O PSDB foi jogado numa posição oposicionista por acaso histórico do Brasil. Na prática, seu fundamento ideológico é o mesmo do Partido Democrata americano. Um partido "progressista tecnocrático". Isto se contrapõe ao PT somente no sentido de que o PT é um partido com militância e "político" (ao invés de tecnocrata), com bases sindicalistas. Estruturalmente, em relação ao papel do estado, os dois partidos não diferem.

E, na prática, os anti-petistas que querem atrair os liberais têm muita dificuldade para citar políticas tucanas que os diferenciem das petistas. Projetos fascistas como o da Cidade Limpa e o do ostracismo gradual dos fumantes são entusiasmadamente apoiados pelo PSDB.

Em geral, os anti-petistas acabam se agarrando na boia da corrupção. O que não me parece ser uma base muito segura, já que eu vejo a corrupção como sistêmica e não como partidária. De fato, nas estatísticas de corrupção, o PSDB é um dos líderes, embora o PT esteja nas manchetes atualmente com o julgamento do mensalão. Não acho que haja diferenças substanciais.

Por último, a campanha anti-PT tenta jogar no colo do PT a "incompetência administrativa".

Isso é assunto para outro post, mas me parece que esse seja o ponto crucial de divergência do PT e do PSDB. O PSDB ainda se apega a conceitos como "competência administrativa" na esfera governamental, enquanto o PT, de modo geral (é claro que não em todos os setores) repudia essa argumentação.

E eu também. A política estatal é feita de escolhas, e o que diferencia os partidos e os políticos não é uma mera capacidade de trabalho pessoal. Fingir que o que separa políticos é competência apenas é um desserviço ao debate político.

Dados todos esses motivos, não é de se admirar que a campanha anti-PT não tenha tido muito sucesso em enfileirar os votos liberais.

***

Finalmente, vou falar também sobre quais, na minha opinião, devem ser algumas das prioridades liberais num debate político.

Noto que muitos daqueles que fazem campanha contra o PT (e que querem atrair o pequeno voto liberal para a sua causa) mencionam muito o Bolsa Família e seus efeitos deletérios sobre a sociedade.

Beleza.

De acordo com a campanha do Governo Federal, 800 mil famílias são atendidas pelo Bolsa Família. 800 mil famílias equivalem a 3,2 milhões de pessoas. Vou estimar que metade desse universo de pessoas vote. Seria 1,6 milhões de pessoas. Estou sendo caridoso - a quantidade de pessoas que votam dos recipientes do Bolsa Família certamente é menor do que isso. Ou seja, é 1,33% do eleitorado nacional.

Num universo de 120 milhões de eleitores, numa eleição majoritária, 1,33% dificilmente fará a diferença. Claro, pode fazer. Numa eleição muito próxima, pode ser que esse 1,33% eleja um presidente diferente. Mas historicamente não é o que ocorreu. Em 2010, Dilma Rousseff venceu a eleição com uma diferença de mais de 12 milhões de votos sobre Serra (56% a 43% dos votos válidos). Já Lula, em 2006, teve mais de 20 milhões de votos em relação ao perdedor Geraldo Alckmin (61%-39%). Por outro lado, mesmo com o Bolsa Escola e os outros programas que foram juntados sob o rótulo de Bolsa Família, FHC não conseguiu fazer o sucessor em 2002.

Dá para dizer, pelo menos, que o problema maior não é numa votação majoritária, mas na votação legislativa. Porém, eu diria que aí o problema se agrava. 1,33% do eleitorado numa eleição legislativa nacional não é capaz de alterar substancialmente votações proporcionais. Principalmente porque os votos estão espalhados por todo o Brasil (embora um pouco mais concentrados na região Norte e Nordeste).

[Update: Me alertaram no Facebook que, na verdade, o Bolsa Família contempla 13 milhões de famílias, e não apenas 800 mil. Se fossem 800 mil apenas, a quantia per capita destinada ao programa seria altíssima - o que eu não achei um grande problema, já que não é novidade o estado gastar quantias absurdas para fazer seus projetinhos.

Verificando no site do Ministério do Desenvolvimento, é exatamente isso que se diz. Na fonte que utilizei antes, só estava discriminada uma das modalidades do BF (são várias).

Isso enfraquece bastante o meu argumento, porque 52 milhões de pessoas contempladas passa a ser um universo muito grande e, considerando que metade dessas pessoas votem, 26 milhões de pessoas é uma massa eleitoralmente muito decisiva (21% dos eleitores).

Claro que permanece a questão de quão efetiva essa ajuda é em arrebanhar o eleitorado - e qual a efetividade em relação aos subsídios ainda maiores a outros setores.

Meus outros argumentos permanecem.]


Por último, o Bolsa Família não é financeiramente tão relevante quanto o governo ou os oposicionistas dão a entender. O orçamento do programa para 2012 é de 19,6 bilhões de reais.

Isso é uma gota no oceano.

Só no governo federal, há cerca de um milhão de empregados. Para os seis primeiros meses de 2012, as despesas com pessoal só no Governo Federal ultrapassaram a casa dos 100 bilhões de reais. Considerando décimo terceiro e outros encargos de final de ano, os gastos ficarão no mínimo em 200 bilhões de reais (mas mais provavelmente na casa dos 230-250 bi).

Ou seja, o Bolsa Família, atendendo 3,2 vezes mais pessoas gasta 10 vezes menos do que a própria folha salarial do estado brasileiro.

Pode-se dizer que os funcionários do governo trabalham e geram valor. Essa é uma discussão à parte, mas dá para negar que esses funcionários do estado, com salários em média muito altos, têm também muito mais probabilidade de viciar uma eleição?

Até porque, no final das contas, o estado precisa que esses funcionários trabalhem, e seu poder de barganha é gigantesco.

Em comparação, o Tesouro Nacional tem um "aporte planejado" de R$ 45 bilhoes para o BNDES em 2012. Tudo isso é crédito subsidiado, canalizado para rentistas. Quem não tem os contatos tem que pegar empréstimos no mercado mesmo.

Outra comparação: o orçamento das universidades federais no Brasil em 2012 é de R$ 27,5 bilhões. Mais de 7 bilhões de reais mais que o orçamento do Bolsa Família, para 63 universidades. Não consegui encontrar o número de alunos atendidos, mas acredito ser fácil perceber que essa é uma transferência de renda muito maior do que o BF e tem muito menos oposição.

Eu poderia continuar.

Mas meu ponto é claro. É evidente que o Bolsa Família tem efeitos deletérios: por atender uma parcela da população extremamente carente, ele incentiva que essas pessoas tenham filhos para que a renda familiar aumente. Acho que o efeito marginal do Bolsa Família seja relevante, nesse caso. Porém, no cômputo total, analisando o impacto no sistema eleitoral do Bolsa Família e o impacto no orçamento do governo, esse é um programa que está longe de ser a prioridade para desmanche dos liberais.

Portanto, em questões fiscais, na minha opinião as prioridades liberais são as seguintes:
1) Desmanche das bolsas-empresário no Brasil. O BNDES, equivalente a um roubo em larga escala, deve ser implodido o quanto antes. Subsídios agrícolas e "políticas industriais" devem ser abandonados.
2) Subsídios à classe média devem ser cortados. Isso inclui editais artísticos, bolsas de estudos e, principalmente, concursos públicos.
3) Finalmente, subsídios à população mais pobre, o que inclui o bolsa-família.
Inverter essa ordem me parece ser demagogia. Parece ser um desejo de crucificar uma parcela da população enquanto o resto fica na varanda de casa tomando água de coco.

Há outras questões ainda mais urgentes para o liberalismo (como questões sociais como as drogas e o protecionismo comercial, que tiraria milhões da pobreza em um tempo muito pequeno), mas se formos falar sobre as distorções dos subsídios governamentais, a ordem de importância está mais do que clara.