sábado, 10 de novembro de 2012

Câmbio: paixão nacional maior que futebol, cerveja e carnaval

Saindo semana passada, dois conhecidos começaram a comentar comércio internacional. Um deles comentou em tom de aprovação que "o Brasil não manipula o câmbio como a China", alegando ainda que a China cresce "trapaceando" ao forçar a desvalorização do seu câmbio.

Eu creio piamente que o câmbio já é parte do folclore nacional. O câmbio deveria ser inserido como personagem mágico brasileiro, mais famoso e culturalmente relevante que o saci, o curupira, o boitatá e a mula-sem-cabeça. Se o saci cria um redemoinho por onde passa, o câmbio é capaz das maiores proezas; basta se desvalorizar para melhorar o padrão de vida de toda a população ao custo de todos os outros. Como Bastiat diria, os governantes ficam fascinados com o fato de que se pode aumentar a riqueza tão facilmente!

O que infelizmente não é o caso.

O câmbio é só uma razão de troca entre duas moedas. Ele tende a flutuar próximo ao poder de compra relativo das duas moedas (isto é, se 1 real compra X coisas e 1 dólar compra 2X, em média 2 reais comprarão um dólar). Expliquei essa dinâmica aqui.

E por que parece que os países se beneficiam tanto ao desvalorizar sua moeda?

Para desvalorizar a própria moeda, os governos imprimem dinheiro. A moeda nova chega primeiro no mercado cambial e aos poucos chega ao resto da economia. Com a moeda desvalorizada, os bens nacionais ficam mais baratos no exterior e os importados ficam mais caros dentro do país. Os exportadores se beneficiam porque seus bens ficam mais "competitivos", quem paga a conta é todo o resto da população, que agora tem que comprar bens mais caros.

Como o câmbio é só uma razão de troca entre duas moedas que compara o poder de compra de ambas, aos poucos ele se estabiliza. Quando o dinheiro "novo" chega em toda a economia, os bens nacionais deixam de ser comparativamente mais baratos em relação aos estrangeiros. Ou seja, uma política de desvalorização do câmbio requer uma expansão permanente da oferta monetária.

Por que, então, dizem que a China se beneficia tanto de câmbios forçados para baixo?

Ranço mercantilista. O que é visível são os efeitos da desvalorização sobre os beneficiados. No Brasil, a FIESP está sempre implorando uma boquinha, uma desvalorizaçãozinha. Os benefícios de um câmbio normal e estável, porém, são dispersos.

Em resumo, não é possível aumentar a riqueza de um país via câmbio. O que é possível é subsidiar os exportadores deixando os produtos estrangeiros menos atraentes. Isso, porém, é insustentável no longo prazo.

É isso que explica também, o Teorema Fundamental do Câmbio, criado pela própria FIESP: Qualquer que seja a taxa de câmbio, ela sempre precisa de uma desvalorização de pelo menos 20%.

O que é engraçado, mas também é correto do ponto de vista dos exportadores. O único jeito de a desvalorização cambial continuar tendo efeito é com uma desvalorização eterna.

O que ainda não explica, contudo, o fascínio com política cambial no Brasil, que faz com que em saídas aleatórias pessoas comecem a discutir o assunto como experts e passem diagnósticos precisos sobre a economia mundial baseados nessa variável.