O anarco-capitalismo (como é chamado) é igual ao anarco-individualismo. Pelo menos igual ao anarco-individualismo americano (Warren, Spooner, Tucker etc) - não tenho muita familiaridade para falar de Stirner, por exemplo (embora ele tenha influenciado Tucker).
As bandeiras do anarco-individualismo são as mesmas do anarco-capitalismo. Os ancaps defendem a propriedade privada; os anarco-individualistas também. Spooner e Warren eram explícitos lockeanos. Tucker, proudhoniano, defendia a posse da terra a partir da ocupação e uso (nada inadmissível para um ancap - afinal, entre os liberais, Herbert Spencer, p. ex., chegou a defender o controle comunal da terra). Quanto à propriedade intelectual, em ambos os campos alguns defendem e outros não. Spooner e os demais "natural lawyers" que escreviam na revista Liberty eram notórios defensores da propriedade intelectual. Dos anarco-capitalistas atuais, muitos (acho que até a maioria) defende a extinção das patentes e copyrights. Ou seja, mesma situação do anarco-individualismo.
Se a suposta diferença é que os ancaps apóiam o mercado e os aninds não, é falso. Tucker dizia com todas as letras defender o mercado. De fato, se você defende a propriedade privada, você defende o mercado.
Se a diferença é a de que os anarco-individualistas eram "socialistas", é falsa também, porque eles usavam os termos capitalismo e socialismo de forma diferente ("socialismo" significava a posse do trabalho do próprio produto e "capitalismo" significava o sistema de privilégios monopolísticos ao capital). Os ancaps só usam uma terminologia diferente ("capitalismo" é livre-mercado, "socialismo" é centralização e controle estatal).
A diferença reside no fato de que os ancaps defendem forças privadas de defesa em vez do estado? Mas Tucker também defendia. E Spooner. E Proudhon.
A propósito, não acho que o fato de o anarco-capitalismo seja diferente do anarco-individualismo por causa de uma teoria do valor diferente. Primeiro porque isso não impede que os ancaps, mesmo com uma teoria subjetiva, façam uma análise da exploração estatal. Segundo porque os autores liberais clássicos eram considerados "capitalistas" (embora não usassem o termo, como aliás nem Spooner usava o termo "anarquia") e utilizavam a teoria do valor-trabalho (e, aliás, também faziam uma análise de classe, como os liberais franceses).
Pra mim, só uma teoria do valor não é suficiente para distanciar uma tradição de outra. A diferença tem que ser substancial (até porque não há nem concodância dentro do anarco-capitalismo, e mesmo assim ninguém diz que David Friedman faz parte do "anarco-conseqüencialismo" e Rothbard do "anarco-naturalismo").
Se os rótulos "anarco-capitalismo" e "anarco-individualismo" sumissem de repente e só existisse um rótulo, "anarquismo de mercado", ninguém ia notar a diferença.
O problema, claro, é a reação instantânea dos esquerdistas e anarquistas tradicionais a qualquer coisa que tenha a palavra "capitalismo" no meio. E a escolha infeliz de uma palavra tão dúbia quanto "capitalismo" pra nomear a teoria (não que a palavra "socialismo" seja menos dúbia...).
Mas o ancapismo mereceria uma estudada nem que fosse por curiosidade. Os ancaps realmente se mostraram dispostos a demonstrar a viabilidade do próprio sistema (desenvolvendo a teoria, exemplos históricos, etc). Os outros anarquistas parecem que meio pararam no tempo em Bakunin. (E com infantilidades do tipo "anarquistas de verdade não comem carne".)