Questões de rótulos são sempre complicadas, rótulos políticos são os piores. Isso acontece porque em geral as posições políticas não carregam simplesmente um conteúdo "programático", elas não se resumem aos princípios que as pessoas defendem explicitamente, mas englobam também uma série de posições culturais e estéticas.
Por exemplo, nos EUA, há toda uma carga cultural em volta dos rótulos "conservative" e "liberal" (os "liberals" de lá, que são basicamente os social-democratas do resto do mundo). Os conservadores são aquele tipo de gente que vive nos subúrbios, que dirigem SUVs que gastam litros e litros de gasolina, que são carolas de igreja. Os liberais são associados com uma vida urbana, com o vegetarianismo, com uma preocupação com o meio-ambiente, reciclagem, etc. Veja que essas coisas não têm diretamente nada a ver com política. Esse tipo de coisa leva algumas pessoas a fazer livros como este, que falam como um liberal entrou na "vida" conservadora.
Hoje em dia, em geral, talvez por conta do predomínio cultural da esquerda (embora isso seja duvidoso, porque a esquerda não é homogênea), no Brasil as posições dos liberais e conservadores muitas vezes se confundem. Assim, você vê liberais mostrando um certo elitismo cultural, fazendo pouco caso dos problemas dos pobres, sendo extremamente moralistas, etc - coisas tipicamente associadas aos conservadores. Você poderia dizer que esse tipo de postura é o que chamam de "liberal-conservadora".
Por outro lado, existe também um liberalismo progressista (que é a posição histórica dos liberais), mais populista, mais preocupado com os pobres, com os direitos dos gays, etc - ou seja, um liberalismo não-moralista, o que normalmente é desdenhado pelos liberais conservadores, que dizem que "liberdade não é libertinagem" (duh).
Claro que esse tipo de postura não diz nada quanto às posições políticas daqueles que as defendem, mas eu só quis mostrar como essas questões de rótulos são realmente delicadas. Por isso eu faço a seguinte separação (mas eu não sei se os outros da comunidade concordariam com ela):
- Conservadores: a ordem é o valor maior; não fazem uma oposição fundamental ao poder do estado; rejeitam quaisquer mudanças radicais na sociedade, em quaisquer partes da vida do país (seja na esfera econômica, seja na moral) - por esse comprometimento com a ordem, os conservadores são levados a defender a presença do estado onde quer que esteja havendo mudanças que quebrem com a ordem estabelecida. Por isso também você não vê neles uma oposição fundamental aos impostos, às regulações, etc, pois isso pode levar à uma ruptura social que eles não estão dispostos a aceitar. Daí se segue também o elitismo conservador de que eu falei antes também, porque há uma presunção de que a manutenção de um status é mais importante do o modo pelo qual esse status foi obtido.
- Liberais: a liberdade é o valor maior, nem toda ordem é desejável simplesmente por ser um tipo de ordem; a oposição ao poder do estado é mais fundamental, o que leva a uma rejeição mais enfática das atividades estatais e uma relutância maior em aceitar a necessidade das ações do estado; as mudanças em geral são avaliadas de acordo com a conveniência para alcançar o ideal, não como males em si.
Essa é uma divisão psicológica e certamente tem seus problemas de aplicação. Mas é melhor que divisão que diz que "liberais = liberalismo social e econômico; conservadores = conservadorismo social/liberalismo econômico".
E, além disso, não há nenhuma incompatibilidade intrínseca entre o cristianismo (ou mesmo o catolicismo, especificamente) e o liberalismo. Lord Acton, por exemplo, foi um liberal radical católico. No cristianismo em geral, eu citaria os batistas, que sempre foram radicalmente anti-políticos (são até hoje) e foram um dos grupos que mais defenderam (senão o que mais defendeu) a separação entre o estado e a religião.
quarta-feira, 4 de julho de 2007
O que é liberalismo? O que é conservadorismo?
No orkut escrevi isto, que me pareceu digno de aparecer aqui: