quinta-feira, 10 de abril de 2014

A neutralidade da rede e suas mentiras

Este texto foi originalmente publicado no Centro por uma Sociedade Sem Estado em 28 de março. Também estão disponíveis versões em inglês e em italiano.

Tentei encontrar um único, singelo e mísero exemplo de censura ou discriminação de conteúdo nos serviços de internet fornecidos atualmente no Brasil. Procurei casos em que os provedores estavam bloqueando acesso a sites específicos ou oferecendo planos mais caros para acesso a mais conteúdo. Por incrível que pareça, não encontrei.

Pensei que eu poderia estar fazendo algo de errado, porque, afinal, estou procurando na própria internet. Talvez o meu provedor de internet estivesse censurando minhas buscas e, ao digitar “censura por provedores de internet” no Google, o próprio provedor já poderia estar filtrando meus resultados. É possível que eu vivesse numa Matrix internética, tudo o que eu vejo é o que querem que eu veja e talvez eu nem me dê conta.

No entanto, eu consegui encontrar diversos usuários criticando o serviço do meu próprio provedor na internet. Aparentemente, meu provedor está falhando miseravelmente na sua tentativa de censurar os usuários. Também fui capaz de acessar sem problemas sites de empresas concorrentes e orçar seus serviços, que, em alguns casos, eram mais vantajosos para mim.

Impossível. Tentei entrar em sites que poderiam gerar algum desconforto ao meu provedor. Sites que defendem posições políticas radicais e fora do mainstream, por exemplo. Não tive problemas em acessar o C4SS. Minha barra de favoritos, composta de sites libertários e anarquistas, continua incólume.

Consigo ver e baixar vídeos, ouvir e baixar músicas. Sites de torrent continuam acessíveis; não podemos dizer que provedores de internet sejam muito simpáticos a eles. Mas continuam a um clique de distância no navegador. Não importa quais sites eu acesse e a quantidade de dados que eu baixe, continuo pagando a mesma tarifa mensalmente. Quem diria?

Eu não acreditei no que estava vendo, porque, pelo que me dizem, a internet deveria estar quase totalmente fechada para mim. Sem uma regulamentação de neutralidade da rede, os provedores cobram mais caro para acessar sites e podem até censurar o que eu posso ou não posso ver, de acordo com meu plano de dados.

É isso que Alessandro Molon, deputado do PT carioca, afirma. Segundo ele, sem a aprovação do Marco Civil para a internet, “quem hoje acessa de graça o Youtube vai ter que pagar mais para assistir vídeo, quem baixa música vai ter que pagar mais para baixar música“.

Por um minuto eu desejei muito que meu provedor cobrasse mais caro para eu assistir vídeos do Youtube, para que eu não tivesse acesso ao site e não tivesse que ouvir as mentiras ridículas de Alessandro Molon.

Porque toda a argumentação em favor do Marco Civil da Internet aprovado pela Câmara dos Deputados na última terça é baseada em mentiras, alarmismo e num impulso regulatório totalitário. A neutralidade da rede não passa de um chavão vazio.

Afinal, o governo alega que quer garantir a “liberdade” da internet no Brasil, que está ameaçada pelos provedores. Será?

O estado brasileiro é o segundo colocado em solicitações de retirada de conteúdo do Google. Não muito tempo atrás, era o líder. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que qualquer “conteúdo ofensivo” deve ser retirado do Youtube.

Portanto, ônus de provar que a exigência governamental de neutralidade da rede vai aumentar nossa liberdade é de seus defensores.

Não há a menor necessidade de defender a internet desregulamentada das alucinações de Alessandro Molon e Jean Wyllys de que os provedores – e não o governo – estão prestes a cercear toda a liberdade que temos hoje em dia. É justamente o contrário.