quarta-feira, 26 de junho de 2013

O menino que gritava lobo e a política

O conto do menino que gritava lobo é mais ou menos assim: um garoto resolveu pregar uma peça nas pessoas que viviam em sua aldeia. Começou a gritar “lobo, lobo, lobo!” para que as pessoas saíssem de suas casas correndo desesperadas para ajudar a espantar o tal lobo. Ao ver todas aquelas pessoas correndo desengonçadas, o garoto se divertia, era engraçado olhar para os rostos delas desesperadas e logo depois enraivecidas com a travessura. Então, dias depois, o menino pregou a mesma peça pela segunda vez e obteve o mesmo resultado. Mas no dia seguinte apareceu um lobo de verdade na aldeia, ele gritou “lobo, lobo, lobo!” para que as pessoas o socorressem, mas ninguém acreditou em seu pedido de ajuda e ele então foi devorado.

E hoje é possível ver com extrema facilidade pessoas que gritam lobo em assuntos políticos. Todo dia um manifestante de um dos recentes protestos no Brasil diz que “o protesto era pacífico, até a polícia começar a usar da violência sem motivo algum”. Os policiais repetem incansavelmente que “a polícia jamais repreenderia alguém sem motivo, houve vandalismo por parte dos manifestantes”. E há imagens aos montes no YouTube para provar que as duas falas são mentiras – polícia atirando borracha em pessoas que pediam paz e manifestantes destruindo carros da imprensa, lojas e agências bancárias. Mas nenhum lado está muito interessado na verdade, o importante é não admitir a violência imbecil que praticam e continuar gritando lobo.

Mas por um lado faz realmente muito sentido que continuem gritando lobo. Na aldeia do garoto do conto infantil, havia os moradores mais distantes dos gritos do menino que não ouviram suas peças. Para continuar se divertindo com a travessura, bastava mudar de rua e se divertir com outros moradores. Manifestantes e polícia tentam fazer exatamente isso – espalham as mentiras em todas as ruas possíveis, a fim de encontrar pessoas que ainda não viram os vídeos que mostram o contrário do que eles alegam.

E esse é um dos motivos pelo qual as manifestações se esfriam. Você pode enganar poucos por muito tempo, pode enganar a todos por pouco tempo, mas não pode enganar a todos por muito tempo. As pessoas aos poucos vão descobrindo as mentiras e desacreditando em tudo mais que todos os lados dizem. Como eu sei que em toda manifestação com confrontos há esse modus operandi de troca de acusações entre os lados, desde o começo eu não acredito em ninguém, a não ser que eu veja vídeos provando o que dizem e nenhum vídeo contrário. Senão, me mantenho extremamente cético até o fim. E a população age parecido: acredita até que seja evidenciado o contrário.

E quem mais perde são os manifestantes. A polícia desfruta de certa credibilidade com a população em geral, uma credibilidade histórica. É uma instituição tão antiga quanto o próprio governo do Brasil. Para ser abalada seria necessário que a população reconhecesse que ela agiu de forma errada repetidas vezes e que tende a ser assim sempre. E sabemos que o povo em geral não pensa dessa maneira. Já a manifestação, como qualquer outra manifestação, tem curta duração, não detém credibilidade histórica. Qualquer coisa que fizer de errado pode abalar sua reputação irremediavelmente. Uma vez reconhecido que os manifestantes fazem coisas erradas com frequência, os que não têm opinião formada sobre a pauta de reivindicações ficarão contra a manifestação – exatamente o contrário do que ela deseja, que é o apoio popular. A mídia é o terceiro lado dessa história, mas sua relação com o menino que gritava lobo é bem parecida com a da polícia.

No entanto, um exemplo que me chama mais atenção é aquele entre direita e esquerda. Como liberal, me divirto bastante com a situação, que pode ser vista sem nenhuma dificuldade durante esta onda de protestos.

Direitistas gritam que as manifestações fazem parte de um plano tramado durante o Foro de São Paulo pelo PT, PSTU, PSOL e todos os partidos de esquerda (que seriam 95% dos existentes). As teorias de conspiração divergem em diversos pontos, mas a predominante hoje no discurso dos conservadores é essa. Então esses partidos planejaram os protestos para desencadear uma série de manobras políticas que culminarão num golpe comunista. A constituinte pedida pela Dilma seria apenas o começo do plano.

O interessante é que sempre estamos diante de um golpe comunista. Escolha um país e um ano pós-Revolução Francesa (o ideal comunista surgiu após este evento), o direitista vai lhe mostrar o perigo comunista latejante que havia naquela época e que exigiu ou exigia medidas drásticas. É sério. Qualquer país, qualquer data. Em 64 foi necessário um golpe militar no Brasil porque o perigo comunista era iminente; Pinochet precisou instaurar uma ditadura que durou 17 anos para afastar a ameaça comunista; Dilma está prestes a dar o golpe comunista; Obama é integrante de uma organização que visa implementar o comunismo pelo mundo; a União Europeia é uma organização com fins comunistas.

Agora vamos pra esquerda: tudo é fascismo. Quem é liberal é fascista. Quem é de centro é fascista. Todos os direitistas são fascistas. Esquerda moderada é fascista. Socialista trotskista é fascista para o socialista maoísta. Qualquer que seja a manifestação da esquerda, o outro lado é sempre o fascista. O esquerdista está sempre alertando sobre o evidente perigo de governos fascistas.

De certa forma, eu entendo a razão disso. Para o socialista, o capitalismo gera fome e miséria, além de promover uma constante “limpeza cultural” dos grupos excluídos. Na prática, promoveria as mesmas barbáries que os assassinatos praticados pelos fascistas. Mas essa postura se torna bastante interessante quando analisamos os governos do último século. Os que mais se aproximaram (na verdade, ultrapassaram) o número de assassinatos promovidos por governos fascistas são os governos socialistas.

Por causa da onda de protestos, esquerdistas gritam que os militares estão prestes a tomar o poder e instaurar outra ditadura militar. A polícia estaria na rua sufocando as manifestações de amplo apoio popular para que os anseios do povo não sejam atendidos e continuem prevalecendo as políticas corporativistas que geram miséria no país. A polícia teria como aliada a grande mídia, que oculta os fatos para manipular a opinião da população a fim de prevalecer o senso de que uma ordem precisa ser imposta no Brasil – no caso, pelos militares. E como sabemos, uma ditadura militar é uma das formas de fascismo. Governo liberal (neoliberal) também é fascista. A África sofre com tantos problemas por causa do capitalismo (i.e., fascismo). A América Latina é pobre porque estamos sob governos fascistas há 513 anos.

Acho que já deu pra sacar por que me divirto tanto. Os dois lados só gritam “lobo, lobo, lobo!”. Em qualquer época, em qualquer lugar, o lobo está presente, seja o lobo comunista, o lobo fascista ou o lobo “pacífico que apenas reage a ações violentas do outro lado”. Eles estão sempre estão à procura de novos moradores para pregar mais uma travessura.

Portanto, deixo a minha dica para essa galera toda: mudem o foco do discurso. Todos sabemos e está mais claro que água cristalina que o fascismo e o comunismo serão implantados no Brasil e que vocês são pobres coitados que apenas revidam violência da oposição. Mas repetir isso toda hora cansa. Aproveitem o tempo na TV pra falar mais de ideias e menos de ameaças do outro lado.


Este vídeo do Caetano Veloso é o novo sucesso da internet. várias metáforas espalhadas pelo YouTube. Se eu fosse fazer uma redublagem para ilustrar este artigo, eu diria o seguinte:

Não... Você grita lobo, cara, que loucura. Só grita lobo. Que coisa absurda! Isso aí que você gritou é apenas lobo... Lobo! Eu não consegui gravar muito bem as suas ideias porque você repete toda hora a mesma coisa, entendeu?

sábado, 22 de junho de 2013

Por uma cidade libertária

Artigo feito para o LIBER, com propostas liberais sobre os temas importantes dos protestos do país.


Os protestos mostram que há algo profundamente errado com o Brasil. Muitos percebem isso, mas poucos identificam o que de fato deve mudar e como isso deve ser feito.

Ao menos os brasileiros perceberam que o crescimento propalado por nossos governantes não passava de uma farsa, um factoide criado por propaganda. É salutar que as pessoas tenham notado que, por trás de toda a euforia, estavam sendo vilipendiadas por nosso sistema político.

A mobilidade urbana se mostrou tema capital para os brasileiros e foi o estopim para as manifestações. E nós, do LIBER, temos posições positivas, eficazes e radicais para os problemas das nossas cidades.

Assim, para que nossas metrópoles sejam novamente habitáveis e as pessoas tenham de volta sua qualidade de vida, propomos o seguinte:

1) Desregulamentação radical dos transportes coletivos (que não devem ser confundidos com transportes estatais).

Os brasileiros continuam reféns de cartéis de ônibus protegidos da concorrência pelo governo. Todo ano justificam seus aumentos com base nos "aumentos dos custos". Isso é uma falácia. As empresas de ônibus têm incentivos para deixar seus custos aumentarem, porque estão num oligopólio. Se houver concorrência, os custos caem e os preços também.

Teríamos alternativas no transporte metropolitano: vans, táxis baratos, shuttles, carros coletivos, micro-ônibus. Iniciativas como a carona solidária, inclusive, e aplicativos usados por caroneiros devem ser legalizados para ontem. Chega de o governo dizer como devemos nos locomover.

2) Fim do zoneamento e do planejamento urbano.

O planejamento urbano afastou os brasileiros dos centros das cidades. Preços de passagens desvinculados das distâncias percorridas, por exemplo, incentivam o sobreuso das vias públicas e causam engarrafamentos. Nós precisamos que comércios, empresas, praças, parques, mercados, estejam no meio de zonas residenciais. As Cohabs do Brasil precisam sumir, com suas centenas de prédios enfileiradas sem condição de vida decente para a população.

3) Afrouxo do combate às drogas.

O combate às drogas no Brasil favelizou nossas metrópoles e sitiou os pobres, que vivem sob o jugo dos traficantes. O combate às drogas ainda gera violência e lota nossas prisões desnecessariamente. Com um ponto final a essa política, a violência urbana abranda, os pobres ganham poder, segurança e possibilidade de investir nas próprias vidas e propriedades. Os brasileiros, principalmente os mais pobres, ficariam mais ricos imediatamente.

4) Saúde e educação desregulamentadas.

No Brasil, saúde e eduação, só funcionam para os ricos, que têm acesso aos serviços privados. A sabedoria convencional diz que nós temos que investir mais nos serviços públicos para que eles melhorem; na verdade, precisamos dar aos pobres o acesso aos serviços privados. Para isso, só tirando os entraves burocráticos da frente dos planos de saúde e das escolas.

Planos precisam poder fornecer coberturas personalizadas e tratamentos alternativos. As regulamentações profissionais absurdas devem deixar de existir; nós não precisamos de um anestesista formado em 6 anos de faculdade de medicina e mais dois de residência para aplicar uma injeção. Erros médicos são combatidos com responsabilidade criminal, não com as lorotas escritas em páginas e mais páginas de legalês.

Já as escolas precisam se modernizar e ter currículos flexíveis. Os regulamentos do MEC precisam ser rasgados e quem deseja abrir uma escola deve ter a possibilidade de fazê-lo sem burocratismos. Não estamos em posição de negar serviço àqueles que precisam.

Também ajudaria se o SUS parasse de financiar os tratamentos dos ricos e que as universidades públicas parassem de tirar dinheiro dos pobres para dar à classe média.

5) Acabar com a inflação.

A inflação é um fenômeno monetário causado pelo Banco Central, que imprime notas para financiar a gastança pública e dilui o valor da grana na nossa carteira.

Com a inflação monetária e a bolha imobiliária financiada pelos empréstimos vultuosos do governo, as cidades brasileiras se tornaram as mais caras do mundo. Por isso, a inflação precisa acabar e a farra de gastos governamentais também. As pessoas não suportam mais aumentos em seu custo de vida.

Os libertários, descendentes diretos dos liberais clássicos, já avisam sobre os perigos da manipulação monetária desde David Hume e David Ricardo, mais de duzentos anos atrás. Nós ainda somos contra o controle governamental da moeda (causador direta da inflação), pelos mesmos motivos.

domingo, 16 de junho de 2013

Falta uma Richester

Essa onda de protestos encheu minha timeline de pessoas conscientes acusando os o povo: "quem manda votar 1) no PT 2) no Alckmin 3) nesses corruptos". Que "cada povo tem os políticos que merece".

Novidade pra vocês: a culpa não é do eleitor. Não se pode dizer que "ah, mas é o eleitor quem vota". "Ah, mas se pelo menos as pessoas votassem conscientes". Não, não importa.

O "voto consciente" é apenas o voto naquele cuja estrutura de propaganda engana melhor. Nego defende a proibição da publicidade de cigarro porque estimula a população a fumar, e não vê que a mesma lógica se aplica à propaganda política.

De dois em dois anos somos cercados por propagandas eleitorais, e esperam que alguém escolha seus candidatos com base nelas. Mas, assim como a propaganda tabagista não estimula que se estudem os efeitos do cigarro no organismo, a propaganda eleitoral não estimula que estudemos o passado e as idéias dos candidatos. Ganha aquele cujo aparato de propaganda for mais eficiente, assim como o market share das empresas melhor assessoradas sobe.

Outra coisa: a publicidade tende a mentir, ou pelo menos a ocultar os defeitos daquilo promove. Assim, as fotos na embalagem do biscoito Bauducco são meramente ilustrativas. As propostas dos candidatos também.

E existe um problema ainda mais grave no governo, que intensifica a geração de "imagens meramente ilustrativas", como a criação de bolhas econômicas pra driblar a crise, fingir um crescimento, e de quebra deixar a bomba infladinha pra estourar nas mãos do próximo mandatário: o governo é um monopólio. É como se a empresa de maior market share ganhasse o monopólio daquele serviço por um período de quatro anos. É como se a Richester tivesse que fechar, porque a Bauducco vende mais. Como se o Guaraná Antárctica fechasse as portas, porque a Coca-Cola é obviamente mais popular. Ou como se o carrinho de cachorro quente da esquina fosse obrigado a desistir porque a McDonald's domina o mercado.

Não é difícil imaginar as conseqüências desse tipo de situação. Durante seus quatro anos de monopólio, a Bauducco não precisaria mais se preocupar nem com a insatisfação de seus clientes: não haveria outra opção. Caso os clientes se mostrassem insatisfeitos, ainda receberiam a culpa. Afinal, foram eles que escolheram a Bauducco, quem mandou escolher uma empresa cheia de defeitos? E os estímulos da Bauducco para manter sua qualidade seriam nulos. Sem concorrência, a Bauducco não teria incentivos para inovar ou para manter seus preços dentro do razoável. Com o tempo, a Bauducco não teria incentivos pra manter sequer a qualidade dos seus serviços. No fim das contas, o maior controle de qualidade da Bauducco é a Richester. O maior controle de qualidade do McDonald's é o carrinho de cachorro quente. A cajuína São Geraldo faz mais pela Coca-Cola que todos os engenheiros de alimentos.

Pena que o governo não tem uma Richester. E faz questão também de evitar o surgimento de uma Richester no transporte coletivo.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Os protestos de São Paulo

Este texto ficou bastante confuso.Não tenho intenção de arrumá-lo porque, além de confuso, ficou enorme. 

A causa não é necessariamente socialista. Revoltar-se com situações - e, por hora, relevaremos a validade da causa - não é exclusividade de comunistas ou da esquerda. A revolta é parte necessária na sociedade. Demonstrações de insatisfação são algo que qualquer pessoa de bem deveria celebrar. Elas mostram que há algo de errado na organização social.

Naturalmente, muitas vezes (quase sempre) o diagnóstico feito pelos indignados é precipitado - o que não torna ilegítima a insatisfação. Um paciente tuberculoso não está saudável porque o médico se confundiu e disse que ele sofre de pneumonia. Há algo de errado, embora a origem do erro não seja aquela imaginada pelo médico.

O grande problema do mundo, diagnosticado por Chesterton no começo do século passado, é que todos os pensadores modernos são reacionários. Chesterton diz que eles estão sempre vindo de algum lugar, não indo para ele. Nada poderia ser mais verdadeiro. Os conservadores são reacionários aos socialistas/progressistas, dizendo que eles merecem chumbo, que são vândalos, que a polícia precisa mesmo descer o cacete. Os progressistas, por sua vez, reagem aos conservadores, exigindo não apenas a igualdade (ideal nobre), mas também os privilégios e a institucionalização da diferença.

Em tradução grosseira da passagem de Chesterton a respeito do assunto, "a humanidade em praticamente todos os tempos e lugares percebeu que existem uma alma e um corpo tão claramente como há um sol e uma lua. Mas, como uma seita protestante chamada Materialistas declarou por um tempo que não existia alma, outra seita protestante chamada Ciência Cristã agora afirma que não existe corpo". Não sei como falar mais claramente sobre isso que o inglês. Apenas que dá pra identificar exatamente esse comportamento em ambos os lados do conflito.

Como há principalmente socialistas participando do protesto, a massa dos liberais e conservadores ignora o fato de haver, pelo menos, algum grau de injustiça no preço das passagens. Diz que "vinte centavos não são nada". Não deixam espaço para diálogo. Mas é óbvio que os preços das passagens são absurdos. Alguém que não tenha carteira assinada gasta mais de 100 reais por mês só com transporte. São mais de 15% do salário de alguém que recebe salário mínimo. Como não se indignar com uma situação dessas?

Entretanto, há que se destacar as outras causas para o preço absurdo das passagens. O sindicato dos funcionários de empresas de transporte simplesmente não permite que se acabe com o desnecessário cargo de cobrador - elevando o custo com a folha de pagamento. A Petrobrás mantém o monopólio de refino, importação e distribuição de combustíveis, além de acatar obrigações estúpidas de utilizar em suas plataformas peças produzidas em território nacional, elevando os já elevados custos do petróleo no país. A prefeitura mantém um sistema de concessões completamente estúpido e um tabelamento de preços ainda mais imbecil, com rotas relativamente rígidas que impedem a alocação eficiente dos recursos, elevando os preços, e impossibilitam a concorrência, conhecida por todos como a responsável por derrubar os preços.

Mas obviamente nenhum lado vai ceder. Não existe nem uma pressão significante para unificar os dois lados. E não deve surgir tão cedo. Essa força de união é possível apenas depois que cada lado abrir mão de seus preconceitos, e perceber que há algo de certo com o ponto de vista alheio. Que o conservador/liberal não quer ser obrigado a pagar pelo transporte do estudante. E que o socialista não quer ser obrigado a pagar preços absurdos para se transportar.

Nenhum dos grandes avanços modernos surgiu graças a apelos para que o governo fizesse algo. As lutas sindicais eram basicamente lutas contra o poder. A Revolução Francesa, que algumas pessoas estão usando em comparação com o movimento em São Paulo, também não foi um pedido ao governo para que administrasse mais a vida de ninguém. A queda do muro de Berlim não era um pedido pro governo fazer mais, mas para que ele parasse de fazer algo: de separar famílias, de controlar as vidas das pessoas e o direito de ir e vir.

A diferença - o que separa a simpatia praticamente generalizada angariada pela Revolução Francesa das acusações de vandalismo e da antipatia da massa pelos pedidos dos estudantes - é a presença obrigatória do Estado nos pedidos dos estudantes. Eles não querem preços justos: querem subsídios. Pretendem gastar dinheiro de impostos para bancá-los. Pretendem que analfabetos e semi-empregados paguem para que eles usufruam de benefícios (aparentemente, desempregados também merecem passe livre, segundo os manifestantes). Querem apoio popular para se colocar acima do povo, que é não apenas imoral, é também uma estratégia ineficiente da abordagem de uma insatisfação que, essa sim, é geral.

Outro ponto relevante a se levantar é: "por que eles defendem a gratuidade?" A resposta que posso dar é que não é possível determinar um valor justo. Essa impossibilidade decorre, dentre outros fatores, da intensiva interferência do Estado no sistema de preços do serviço. Existe, entretanto, a insatisfação generalizada da população com o preço do serviço. Como propor simplesmente uma redução da tarifa não tem apelo algum, e como qualquer valor sugerido pode causar insatisfação, opta-se, por ingenuidade ou estratégia, pela proposição da gratuidade (sem mencionar que, claro, o dinheiro pra manter a gratuidade tem que vir de algum lugar, seja dos bolsos do cidadão de hoje via impostos, seja do suor das próximas gerações, via endividamento público.

domingo, 9 de junho de 2013

As liberdades e a autonomia do mercado

Prêmio Donald Stewart Jr. 3ª semana

Tema: O sistema político e o sistema econômico

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Em seu ensaio de 1958 Dois conceitos de liberdade, o filósofo Isaiah Berlin postulou a ideia de “liberdade positiva” e de “liberdade negativa”. Segundo ele, a liberdade positiva se caracteriza pela capacidade dos agentes; isto é, aquilo que são capazes de fazer ou executar dentro de um dado sistema.

A ideia de liberdade negativa é a liberdade de que a pessoas desfrutam da interferência de terceiros sobre sua atividade. Trata daquilo de que um agente pode ser impedido legitimamente de fazer. Ou seja, é uma liberdade negativa porque trata do que uma pessoa não pode fazer. Notoriamente, a última concepção é a mais palatável aos liberais, que, no campo político, preocupam-se primordialmente com a interferência indevida no campo de ação dos indivíduos. De fato, a noção de liberdade positiva tem sido associada primariamente a ideologias que pretendem permitir que o indivíduo tenha acesso – não necessariamente por ação própria – a diversos bens e serviços, como saúde, educação, etc.

Essas duas concepções de liberdade frequentemente se chocam. Ter os meios para executar uma ação significa que esses meios têm que ser fornecidos por alguém. Se uma pessoa terá acesso, por exemplo, a um serviço de saúde que não foi custeado por si mesma, alguém terá que custear esse serviço de saúde – e esse custeio poderá ser feito através da força. Essa força é um cerceamento da liberdade negativa em prol da positiva.

Milton Friedman, porém, em seu célebre Capitalismo e Liberdade, discute em um dos capítulos a relação estreita que existe entre a liberdade política e a liberdade econômica. Um dos comentários mais perspicazes de Friedman, para mim, é aquele no qual ele nota que uma das maiores virtudes da liberdade de mercado na sociedade é a de difusão do poder. Sem o controle estatal da economia, torna-se mais difícil controlar os indivíduos. A separação do poder econômico do poder político promove a liberdade política.

Deve-se notar, portanto, o relacionamento conceitual que existe entre a liberdade negativa e a liberdade positiva. Com o cerceamento político da liberdade negativa, nós transferimos tudo o que antes estava no raio de ação dos indivíduos para o estado. De imediato, podemos ver ganhos no escopo da liberdade positiva: com mais recursos, o estado é capaz de fornecer mais serviços, como saúde, educação, melhor infraestrutura. Porém, gradativamente isso vai erodindo o poder político dos indivíduos. Sem a liberdade econômica – isto é, sem uma liberdade de empreender e manter os frutos do próprio trabalho –, a liberdade política fica cada vez mais fragilizada, porque os governantes as amarras que constringem seu poder de ação.

É notória a falta de liberdade dos regimes socialistas que se estabeleceram no mundo após 1945. O muro de Berlim foi um marco dessas ditaduras, que não permitiam nem mesmo que os indivíduos saíssem de seus territórios. Internamente, a maioria possuía algum sistema de passaportes internos, para não permitir a migração de indivíduos de um local para outro do país. Por que isso ocorria? Porque a liberdade econômica dos cidadãos estava tão debilitada que eles não podiam nem mesmo escolher onde trabalhar, uma vez que o sistema produtivo era totalmente planejado. Com esse planejamento, os indivíduos perderam tanto a liberdade negativa de não sofrerem interferência ao se locomoverem de um ponto a outro, mas também a liberdade positiva de terem os meios para fazê-lo.

Logo, existe uma relação próxima entre as duas liberdades, embora elas entrem em conflito com frequência. Da mesma maneira, a liberdade de mercado é complementar à democracia política, porque um regime democrático não é capaz de subsistir sem uma liberdade econômica razoavelmente ampla. Quando não há mais liberdade econômica, a democracia se torna uma fachada, porque o estado se tornou capaz de ditar todos os rumos da vida do indivíduo, política e economicamente. A democracia necessita de autonomia.

Inversamente, a liberdade econômica é a única que pode promover a liberdade positiva sustentavelmente, porque garante que o indivíduo não sofra interferências arbitrárias e que não perca por vias políticas os meios para chegar a seus fins.

Referências:
FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e Liberdade. São Paulo: Nova Cultural, 1985.
BERLIN, Isaiah. Dois Conceitos de Liberdade. In: Estudos sobre a Humanidade: uma antologia de ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

O liberalismo é politicamente incorreto?

Prêmio Donald Stewart Jr. 2ª semana

Tema: A fragilidade da democracia em face da ditadura do politicamente correto

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O politicamente correto pode ser definido como uma tentativa de mudança social através de uma mudança do léxico. O politicamente correto, portanto, tem um princípio verdadeiro, no sentido de que identifica que a língua não é neutra; a língua, antes, também é um instrumento criador da realidade social. Como afirma o linguista Luiz Antônio Marcuschi, “a língua é a forma de tratar a sociedade e não de retratar a sociedade”.

Essa ideia de que a língua traz consigo juízos de valor a respeito da realidade foi bem encapsulada pelo romance 1984 de George Orwell. Nele, o autor imagina uma realidade em que o governo foi capaz de substituir a língua usada pelas pessoas por uma “novilíngua”, que direciona seus pensamentos a uma aprovação impensada de tudo aquilo que vem do estado, legitimando e realizando um ideal de sociedade. O linguista José Luiz Fiorin sintetiza essa característica da língua:

“A linguagem humana é essa faculdade de construir mundos. [...] A linguagem dá ao homem uma possibilidade de criar mundos, de criar realidades, de evocar realidades não presentes.” (XAVIER e CORTEZ, 2003)

Logo, Orwell estava correto em pensar que a língua podia criar uma realidade. Da mesma forma, o atual movimento politicamente correto está certo em pensar que uma mudança nas palavras pode remover uma carga depreciativa da língua em relação a determinados grupos de indivíduos e, assim, mudar a realidade social.

Essa preocupação com a igualdade num sentido sócio-político, creio eu, é uma preocupação peculiarmente liberal. O liberalismo pode ser definido como uma linha político-ideológica que pretende distribuir o poder político o mais amplamente possível. Isso não significa que não haverá desigualdades de renda, por exemplo, mas significa que, socialmente, os indivíduos devem possuir o mesmo status.

Os liberais clássicos acreditavam que isso culminava na igualdade dos indivíduos perante a lei. Porém, eu acredito que essa liberdade seja ainda insuficiente: o liberalismo também deve se preocupar com as garantias de que os indivíduos desfrutam de que sua liberdade não será violada. A isonomia legal requer um alicerce ideológico, no mínimo.

O que importa, além da posição formal de igualdade legal, é a posição de poder político. É necessário que todos os indivíduos sejam vistos e tratados como parte da sociedade política. Somente a isonomia legal não garante uma efetiva participação na sociedade política e um respeito às liberdades individuais; isso só pode ser garantido por uma aceitação ideológica da população de que não existem grupos inferiores de pessoas.

É essa a maior força e a maior fraqueza do politicamente correto. Força, porque a única forma de os indivíduos viverem numa ordem liberal é com o respeito e a aceitação política dos outros. Para que o liberalismo exista, deve imperar um sentimento de igualdade fundamental entre os indivíduos. Isso passa por uma reavaliação dos hábitos linguísticos; por um esforço conjunto de não-ofensa e, por que não?, inclusividade.

A fraqueza do politicamente correto está no fato de que ele crê poder mudar a realidade social somente com um abrandamento linguístico, ingenuamente. Ademais, o politicamente correto facilmente serve a um fechamento à la 1984 das possibilidades de discurso crítico. Para o governo, é conveniente cooptar a agenda politicamente correta.

Infelizmente, esse é um risco que se corre em qualquer empreendimento político. Não há garantias. Mesmo com os excessos do politicamente correto, acredito que em seu núcleo haja um sentimento legitimamente liberal. Acredito também que os liberais não devem deixar sua mensagem de respeito, tolerância e igualdade humana se diluir num embate sem sentido com o que consideram censura de pensamento.

A economista Deirdre McCloskey considera que o capitalismo só floresceu após uma aceitação social das virtudes do empreendedorismo (MCCLOSKEY, 2007). Da mesma maneira, o liberalismo só pode florescer com uma aceitação social de que todos merecem respeito. Liberais não precisam ser politicamente incorretos nem alienar amplos setores sociais com seu discurso.

Referências:
XAVIER, Antonio Carlos; CORTEZ, Suzana (Orgs.). Conversas com linguistas: virtudes e controvérsias da linguística. São Paulo: Parábola Editorial, 2003, 200p.
ORWELL, George. 1984. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, 416p.
MCCLOSKEY, Deirdre. The Bourgeois Virtues: Ethics for an Age of Commerce. Chicago: University of Chicago Press, 2007, 634p.

Uma forma alternativa de compreender a democracia e a constituição

Há uns dez anos eu planejava participar do Prêmio Donald Stewart Jr, mas acabava nunca entrando. O concurso, do Instituto Liberal-RJ, anualmente leva três pessoas, que escrevem os melhores textos de acordo com seus temas, para um seminário nos EUA. De acordo com o formato do concurso em 2013, semanalmente os organizadores liberaram um tema sobre o qual os participantes escreveriam. Este ano, finalmente eu participei e entrei com um texto em todas as sete semanas do concurso, sob pseudônimo.

O concurso agora acabou e eu já fiquei em terceiro lugar com um dos meus textos e de fato consegui a viagem para o Cato Institute em Washington. Assim, vou postar aqui os textos que escrevi para que eles não se percam no limbo do concurso e das páginas do IL na internet.

A qualidade dos textos varia, sendo o melhor o que de fato foi premiado. De qualquer maneira, vou postar todos aqui, mesmo aqueles em que eu não estava muito inspirado.

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Tema da primeira semana: Democracia e constituição

Uma forma alternativa de compreender a democracia e a constituição

Existe uma ideia prevalente – principalmente entre círculos liberais, e ilustrada pelo próprio tema do concurso desta semana – de que a democracia é inerentemente contrária à ideia de constituição. A constituição, embora suscetível a emendas, aparenta ser um bloqueio aos anseios populares. Ela coloca um freio naquilo que está sujeito ao debate público democrático.

Pretendo aqui defender uma ideia diferente. A contraposição de constituição e democracia presume definições rígidas de constituição e democracia. Uma constituição, segundo essa dicotomia, é um documento rígido que conta com disposições e regras legais, e está acima do jogo democrático de votos, eleições, etc. Já a democracia é definida, concomitantemente, como o poder da maioria (frequentemente exercido por eleições, votos, consultas populares).

Essa ideia de uma constituição soberana que determina o que está ou não dentro do escopo democrático parece, porém, uma ilusão metafísica. As limitações constitucionais não existem à parte do comportamento e da interação dos indivíduos reais de uma sociedade. Uma constituição nem mesmo precisa ser um documento escrito, basta olhar o exemplo da Grã-Bretanha. Além disso, mesmo que o seja, não há nada que garanta que esse documento vá ser respeitado e cumprido; basta ver o caso da União Soviética, que também possuía uma constituição escrita e aparentemente rígida, e do próprio Brasil, que tem que ignorar grandes nacos de sua Carta Magna para manter uma sociedade minimamente funcional.

Instituições sociais, pesos e contrapesos legais, só existem enquanto mantidas em funcionamento pelos próprios indivíduos. É um processo contínuo. A constituição, portanto, é menos uma garantia de nossas liberdades e mais o resultado de um processo social que garanta essas liberdades. Não é o agente causador, mas sim o subproduto.

O filósofo libertário Roderick Long afirma:

Uma constituição não possui existência independente do comportamento e das interações de seres humanos reais. [...] [A]s estruturas [de limitação constituicional] existem somente enquanto forem mantidas por seres humanos agindo sistematicamente de certas maneiras. Uma constituição não é um robô impessoal e auto-aplicável. É um padrão contínuo de comportamento, e persiste somente enquanto os agentes humanos ajustam esse padrão a suas ações. Uma vez que os humanos possuem livre arbítrio, nenhum padrão de comportamento pode ser automaticamente autoperpetuado. (LONG, Roderick. Anarchism as Constitutionalism.)1

Assim, uma constituição não é tanto uma limitação social de cima para baixo. É um exercício social contínuo. Não é à toa que autores como La Boétie e David Hume2 já haviam identificado muito tempo atrás as raízes ideológicas do poder. Ou seja, nenhum governo consegue preservar sua posição de poder sem uma aprovação ideológica da população em geral. Igualmente, uma constituição só permanecerá em vigor se a população, no mínimo, tacitamente concordar com suas premissas.

Logo, uma constituição, mesmo com suas disposições intergeracionais e limitadoras do que a política pode discutir, podem ser (e frequentemente são) democráticas nesse sentido mais amplo. Isso não significa que todos os governos e constituições são inerente e automaticamente válidos; mas significa dizer que uma ordem social não persiste por longos períodos sem a aprovação ideológica contínua da população.

Não existe, dessa forma, uma tensão irreconciliável entre democracia e constituição; a democracia, se entendida como uma distribuição de poder social e não como uma mera participação num sistema político, é necessária para qualquer constituição. É essa democracia que define qual vai ser o conteúdo da constituição. Tal conteúdo está sempre em aberto, sempre aberto à consideração da sociedade – nenhuma cláusula pétrea pode negar esse fato político e sociológico.

Esse amplo entendimento sobre o que caracteriza uma democracia e uma constituição também esclarece outras questões. Nenhuma minoria de cidadãos tem poder de impedir emendas à constituição se elas de fato são socialmente aceitas; inversamente, uma emenda que pretenda suplantar uma “cláusula pétrea” teria que ter grande apoio ideológico popular para ser aprovada. E nenhuma constituição nos torna escravos do passado – o que pode nos tornar escravos é nosso apego, enquanto sociedade, a ideias retrógradas.

Notas:
1 Disponível em: . Acesso em 15 de março de 2013.
2 Cf., e.g., LA BOÉTIE, Etienne de. Discurso da servidão voluntária, e HUME, David, Do contrato original.

Sobre monopólios, crises e a economia intervencionista

No meu texto em resposta a Edilson Silva, o próprio Edilson comentou colocando mais uma dezena de pontos. É uma pena que a discussão tenha ficado tão ampla, porque era difícil responder a todos os argumentos colocados. Mesmo assim, eu tentei responder ao que me foi colocado e explicar por que há, na própria dinâmica da economia intervencionista, o núcleo dos nossos problemas econômicos.

Segue o texto Edilson e meu comentário a seguir.

Edilson Silva:

Erick Vasconcelos, vcs estão de parabéns por terem convidado um socialista para um debate em sua conferência. Isto fala bem de vcs, sinceramente. As divergências são de ideias e inclusive já havia colocado a um dos membros de vcs que falava comigo no facebook – criticando o artigo de opinião que publiquei -, que seria bom vcs publicarem então uma resposta, uma réplica, com a base dos argumentos que ele levantava lá no facebook. Acho isto esclarecedor, joga luz sobre os debates, polêmicas, que ao contrário do que pensam alguns comentaristas aqui, são muito pertinentes. Parabéns pelo diálogo, primeiramente.

Veja, Erick, o século XIX passou, com todas estas matrizes teóricas já brotando por lá. No século XX várias teorias ou aproximações teóricas foram implementadas. Nas economias predominantemente de mercado, oscilou-se entre mais e menos liberalismo, e sempre se recuou do mais liberalismo em meio a guerras e convulsões sociais, geradas não por intervenção divina, mas pela dinâmica deste mercado. Vcs afirmarem que leis anti-truste não tem a função de ser mecanismos anti-cíclicos é desprezar completamente a realidade concreta da dinâmica social. Eu, como socialista e anti-capitalista, acho que não resolve estruturalmente o problema, só represa, se não se constrói outra dinâmica estrutural para a produção de bens e serviços, alterando o caráter da apropriação da riqueza produzida, mas é inegável que até para os socialistas uma lei anti-truste e mecanismos de correção de demanda são menos piores que deixar a concorrência aniquilar a ela e à toda a sociedade, pois é disto que se trata. Diferente do gado que morre na seca com a carcaça murcha sob o sol, os seres humanos tem a capacidade de se organizar e reagir. As decisões econômicas não são tomadas somente numa sala confortável, mas não raro com um aríete batendo na porta.

Bem, o século XXI começou com Marx feito uma Fênix. Não conseguiram sepultá-lo, de novo. Keynes também está bem coradinho, diria até que com a musculatura renovada. Países que não experimentam tanta ortodoxia liberal parecem mais resistentes à crise – não se sabe até quando. A Europa apresenta um quadro de piora assustadora dos níveis de desemprego. A realidade parece não querer se encaixar em certas teorias neoliberais, que dirá mais ortodoxas.

Pra terminar, como vc me indicou um livro, vou lhe indicar um também, no qual vc poderá conhecer a elaboração mais próxima de Marx acerca do Estado, propondo a sua extinção gradual – o termo mais preciso é definhamento -, trocando o “governo dos homens” para a “administração das coisas”: “O Estado e a Revolução”, de Lênin, que antes de morrer, ainda em 1922, foi um dos idealizadores da NEP – Nova Política Econômica, gesto que mostra bem onde o marxismo mais lúcido – para mim o “verdadeiro” (apesar de achar que estes termos são ruins), aponta. Gde abç.

Erick Vasconcelos:

Edilson,

Obrigado pelos elogios a nós e eu concordo plenamente com você: acho que devemos dar mais a cara a tapa para o debate público. O fato de você ter comparecido numa nossa conferência já diz bastante sobre você também. Tomara que tenhamos outras chances.

Sobre a questão dos anti-trustes, eu discordo completamente. As leis anti-truste não brotaram por uma necessidade de salvar o mercado de si próprio. Historicamente, observa-se que essa legislação nasceu de uma necessidade de empresas maiores de se consolidarem no mercado e se protegerem da concorrência. A legislação americana (o Sherman Act, o Clayton Act e algumas outras leis), que foi copiada no mundo todo, foi desenhada por grandes empresários em conluio com políticos. Por mais de 100 anos essas leis vêm sendo usadas para penalizar negócios que expandem a oferta dos seus produtos, inovam ou cortam preços. De fato, outra legislação dessa época, que criou o banco central americano, foi claramente vista como uma tentativa de tirar bancos pequenos do mercado, porque eles tornavam o ambiente “instável” pros grandes.

Mesmo na teoria nós vemos por que isso acontece. “Monopólios” dificilmente conseguem se manter num mercado aberto porque toda vez que eles tentam aumentar seus preços, eles liberam fatores de produção. Liberando fatores de produção, eles podem ser usados por outros concorrentes. Se eles não liberam fatores de produção, eles estão praticando preço competitivo. Um monopolista só consegue praticar preços ou práticas de mercado abusivas num mercado forçosamente restrito. É por isso que a economia brasileira é essa lerdeza: vive sob pilhas de legislação, proteções, encargos, subsídios para os amigos.

O problema da sua visão geral, Edilson, ao que me parece, é que você pensa que algum problema estrutural existe no núcleo da economia de mercado. Mas nós, liberais, pensamos o contrário: existe um problema intrínseco com a economia intervencionista.

Por quê? Porque numa economia intervencionista, o estado não só não tem a informação necessária para saber como, onde e quando intervir, mas mesmo que soubesse disso tudo, os políticos têm todos os incentivos para se locupletarem e levarem junto os Eikes Batistas da vida.

Sobre Marx e Keynes estarem rejuvenescidos: é verdade e é uma pena, porque demonstra uma compreensão equivocada sobre a economia.

Mas me admira um pouco, Edilson, você citar Keynes favoravelmente, já que a ideologia dele é uma grande possibilitadora do capitalismo corporativista que os marxistas tanto denunciam. Para Keynes, as políticas “anti-cíclicas” devem “estimular a demanda”. Não dá pra reclamar do consumismo depois de chancelar uma ideia como essas, não?

Já sobre a indicação de livro, eu já li esse aí de Lênin. Não vou dizer que eu tenha gostado tanto. Já sobre Marx e o definhamento do estado, Marx não usava uma definição tão usual de estado, então é difícil tirar muito dessa afirmação dele.

Abraços.